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STJ – CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CONTRATO BANCÁRIO. IMPROCEDÊNCIA. FINALIDADE DE EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO. NECESSIDADE DE DEPÓSITO INTEGRAL DA DÍVIDA E ENCARGOS RESPECTIVOS. MORA OU RECUSA INJUSTIFICADA DO CREDOR. DEMONSTRAÇÃO. OBRIGATORIEDADE. EFEITO LIBERATÓRIO PARCIAL. NÃO CABIMENTO. CÓDIGO CIVIL, ARTS. 334 A 339. CPC DE 1973, ARTS. 890 A 893, 896, 897 E 899. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CPC DE 2015.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.108.058 – DF (2008/0277416-2)

RELATOR : MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO)

R.P/ACÓRDÃO : MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI

RECORRENTE : CLAYTON VAZ CARDOSO CINTRA LIMA

ADVOGADO : SEBASTIÃO MORAES DA CUNHA – DF015123

RECORRIDO : BRB CREDITO FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO S A

ADVOGADO : ADELSON JACINTO DOS SANTOS – DF019126

INTERES. : FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS – “AMICUS CURIAE”

ADVOGADOS : FLAVIO MAIA FERNANDES DOS SANTOS E OUTRO(S) – SP270686

DIEGO MARTINEZ NAGATO E OUTRO(S) – SP357595

INTERES. : INSTITUTO BRASILEIRO DE POLITICA E DIR. DO CONSUMIDOR – “AMICUS CURIAE”

ADVOGADO : SIMONE MARIA SILVA MAGALHÃES – DF024194

EMENTA

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CONTRATO BANCÁRIO. IMPROCEDÊNCIA. FINALIDADE DE EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO. NECESSIDADE DE DEPÓSITO INTEGRAL DA DÍVIDA E ENCARGOS RESPECTIVOS. MORA OU RECUSA INJUSTIFICADA DO CREDOR. DEMONSTRAÇÃO. OBRIGATORIEDADE. EFEITO LIBERATÓRIO PARCIAL. NÃO CABIMENTO. CÓDIGO CIVIL, ARTS. 334 A 339. CPC DE 1973, ARTS. 890 A 893, 896, 897 E 899. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CPC DE 2015.

1. “A consignação em pagamento visa exonerar o devedor de sua obrigação, mediante o depósito da quantia ou da coisa devida, e só poderá ter força de pagamento se concorrerem ’em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento’ (artigo 336 do NCC)”. (Quarta Turma, REsp 1.194.264/PR, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão, unânime, DJe de 4.3.2011).

2. O depósito de quantia insuficiente para a liquidação integral da dívida não conduz à liberação do devedor, que permanece em mora, ensejando a improcedência da consignatória.

3. Tese para os efeitos dos arts. 927 e 1.036 a 1.041 do CPC: – “Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional”.

4. Recurso especial a que se nega provimento, no caso concreto.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Prosseguindo o julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi acompanhando a divergência e propondo alteração na tese repetitiva, mudança acatada pela Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti, que abriu a divergência, a Segunda Seção, por maioria, negou provimento ao recurso especial.

Para os efeitos repetitivos, restou fixada a seguinte tese: “Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional”.

Vencido o Sr. Ministro Lázaro Guimarães (Relator).

Lavrará o acórdão a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti. Votaram com a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Luis Felipe Salomão, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.

Brasília/DF, 10 de outubro de 2018(Data do Julgamento)

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI

Relatora p/ acórdão

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO):

Trata-se de recurso especial interposto por CLAYTON VAZ CARDOSO CINTRA LIMA manejado frente a acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, assentando que, “sendo insuficiente a importância depositada, deve o pleito de consignação em pagamento ser julgado improcedente, não havendo que se falar em extinção do vínculo obrigacional, mesmo que parcial” (na fl. 208).

O aresto impugnado está assim ementado:

“CIVIL – REVISÃO DE CONTRATO E CONSIGNATÓRIA – NULIDADE DE CLÁUSULAS -DECRETO 22.626/33 – INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE DOS JUROS -TABELA PRICE – LEGALIDADE – MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36 SEM APLICABILIDADE – CAPITALIZAÇÃO DE JUROS NÃO DEMONSTRADA – ALTERAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO – IMPOSSIBILIDADE – PREVALÊNCIA DO PRINCIPIO PACTA SUNT SERVANDA.

1. A pretensão em sugerir a alteração unilateral do contrato, para fazer inserir um reajuste sequer pactuado pelas partes, deve ser indeferida.

2. As disposições do Decreto nº. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”. (Súmula 596/STF).

3. Desde que livremente pactuados, considera-se lícita a cobrança de juros acima do limite legal, bem como a Emenda Constitucional 40/2003, que revogou o parágrafo 30 do art. 192 da Carta Magna.

4. No que se refere à capitalização de juros, não se desincumbiu o Apelante de fazer qualquer prova de sua ocorrência.

5. A adoção da Tabela Price, por suas características, não implica cobrança de juros sobre juros, não esbarrando em qualquer restrição legal.

6.Válida se mostra a cobrança da comissão de permanência, desde que não cumulada com qualquer outro encargo, ou qualquer outra quantia que compense o atraso no pagamento, ou com juros remuneratórios.

7. Não restando comprovados os vícios, as cláusulas financeiras do mútuo pactuado não comportam a intercessão judicial sobre o seu conteúdo e a desconsideração do que ficara pactuado.

8. Sentença mantida. Recursos da Revisional e da Consignatória desprovidos. Unânime.” (na fl. 198)

Na petição recursal, o recorrente alega a existência de violação aos seguintes dispositivos legais:

a) arts. 6º, V, e 51, IV e § 1º, III, do CDC, afirmando ser ilegal a utilização da Tabela Price, pois implica a cobrança de juros capitalizados mensalmente, sem que haja autorização legal para tal cobrança no contrato de mútuo revisado;

b) art. 6º, VIII, do CDC, alegando ser cabível a inversão do ônus da prova, de modo a exigir do credor a comprovação da não ocorrência da capitalização mensal de juros;

c) arts. 6º, V, e 51, § 1º, II e III, do CDC, salientando serem abusivos os juros remuneratórios cobrados; e

d) arts. 335, V, do Código Civil e 899, § 2º, do CPC/1973, aduzindo que “é perfeitamente cabível a ação de consignação em pagamento, quanto houver litígio sobre o seu objeto” e que, no caso de insuficiência do depósito ofertado, “garante-se o reconhecimento da parcial quitação da dívida, já que o restante do débito pode ser objeto de execução nos próprios autos da ação consignatória, tanto é assim, que essa Corte Superior de Justiça já firmou entendimento no sentido ora pugnado“.

O recurso especial foi admitido pelo Tribunal de origem sob o regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08, sob a alegação de que “cabe dar curso ao apelo fundado no apontado malferimento aos artigos 335, inciso V, do Código Civil, 890 e 899, § 20, todos do Código de Processo Civil. Com efeito, a tese sustentada pela recorrente, devidamente prequestionada, encerra discussão de cunho estritamente jurídico, dispensando o exame de fatos e provas constantes dos autos, razões pelas quais deve o inconformismo ser submetido à autorizada apreciação da Corte Superior” (nas fls. 216/219).

Certificou o Tribunal recorrido que “no dia 27/08/2008 foi interposto, por CLAYTON VAZ CARDOSO CINTRA LIMA, Recurso Especial aos acórdãos de fls. 174/185 destes autos (ação de consignação) e de fls. 150/162 dos autos em apenso (ação revisional). Certifico, ainda, que foi apresentada uma via do referido recurso para os dois processos e juntada no APC 1-101306-5″, autuado nesta Corte como Recurso Especial nº 1.176.639/DF, conexo ao presente (na fl. 211).

Dessarte, a ocorrência inusual levou a Corte de origem a equívoco no processamento do presente recurso, o que resultou na admissão deste recurso especial sem a juntada da respectiva petição recursal e na admissão do outro recurso, o REsp 1.176.639/DF, cujo acórdão não enfrentou o tema em destaque.

Logo, como o recorrente, e a presente afetação, não podem ser prejudicados por falha do serviço cartorário do Tribunal de origem, foi determinada a extração de cópia da petição inicial do recurso especial juntada no REsp 1.176.639/DF para que seja anexada aos presentes autos, porquanto idênticas.

Nessa quadra, recomenda-se a limitação do presente julgamento ao tema da afetação, porquanto as demais questões (inversão do ônus da prova, juros remuneratórios e tabela Price) já foram decididas no idêntico e conexo Recurso Especial nº 1.176.639/DF.

Em prosseguimento, verificando-se que, realmente, o recurso especial traz controvérsia repetitiva, de caráter multitudinário, com inúmeros recursos em tramitação nesta Corte ou sobrestados na origem, versando sobre o tema dos “efeitos da insuficiência do depósito ofertado na ação de consignação em pagamento“, a eg. Segunda Seção desta Corte, na assentada do dia 14 de dezembro de 2016, com fundamento nos arts. 1.036 a 1.041 do Código de Processo Civil e art. 56 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, ratificou a admissibilidade do presente recurso como representativo de controvérsia repetitiva (nas fls. 273/278).

A Defensoria Pública da União, o Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), o Instituto Brasileiro de Direito Civil – IBDCivil, a Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN e o Banco Central do Brasil – BACEN foram admitidos como amici curiae (nas fls. 280/282).

A Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN manifesta-se defendendo que, “nas hipóteses em que o valor depositado pelo consignante for insuficiente, será o caso de parcial procedência do pedido, havendo extinção parcial da obrigação, ou seja, extinção em relação à parte que foi efetivamente depositada” e que, “em relação aos eventuais encargos moratórios, estes somente incidirão sobre a parcela não adimplida” (na fl. 303)

O Banco Central do Brasil – BACEN, por sua vez, assegura que esta Corte “possui entendimento segundo o qual, na ação de consignação em pagamento, a insuficiência do depósito não conduz à improcedência do pedido, mas sim à extinção parcial da obrigação, até o montante da importância consignada” (na fl. 352).

O Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON, por seu turno, argumenta que “mostra-se incontroverso que o depósito parcial realizado pelo consumidor deve ter seu cunho satisfativo reconhecido, como decorrência lógica do disposto nos artigos 544 e 545 do Código de Processo Civil” (na fl. 362).

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do ilustre Subprocurador-Geral da República Dr. Antônio Carlos Alpino Bigonha, opina pelo conhecimento e provimento do recurso especial para assentar a tese de que “a insuficiência do depósito na ação de consignação em pagamento não conduz à improcedência do pedido, mas ao julgamento de parcial procedência, tendo em vista a extinção parcial da dívida, abatendo-se do saldo devedor o montante já depositado em juízo” (na fl. 448).

É o relatório, quanto ao que se reputou mais relevante.

VOTO VENCIDO

O EXMO. SR. MINISTRO LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO) (Relator):

O Código de Processo Civil positivou no direito processual brasileiro o Microssistema de Precedentes Obrigatórios (art. 927), do qual fazem parte o incidente de assunção de competência, o incidente de resolução de demandas repetitivas e o julgamento de casos repetitivos em sede de Recurso Especial (art. 928), este último já previsto no art. 543-C do CPC anterior.

Destaca-se que, nos moldes do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, “os acórdãos proferidos em julgamento de incidente de assunção de competência e de recursos especiais repetitivos bem como os enunciados de súmulas do Superior Tribunal de Justiça constituem, segundo o art. 927 do Código de Processo Civil, precedentes qualificados de estrita observância pelos Juízes e Tribunais” (art. 121-A).

Assim, a nova legislação, reconhecendo que os Tribunais devem “uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (CPC, art. 926), insere, de maneira mais incisiva, na estrutura clássica do processo civil brasileiro a Teoria dos Precedentes (Stare Decisis), de modo a promover a proporcionalidade, a razoabilidade e a eficiência da aplicação do ordenamento jurídico (CPC, art. 8º).

No específico caso do julgamento de Recurso Especial Repetitivo, o rito é o previsto nos arts. 1.036 a 1.041 do CPC (art. 543-C do CPC/1973), devendo ser realizado “sempre que houver multiplicidade de recursos (…) especiais com fundamento em idêntica questão ” (art. 1.036), “de direito material ou processual” (art. 928), sendo que “o conteúdo do acórdão abrangerá a análise dos fundamentos relevantes da tese jurídica discutida” (art. 1.038, § 3º).

No caso dos autos, a controvérsia apresenta-se de forma multitudinária, em inúmeras ações que, submetidas a diversos Tribunais pátrios, aguardam julgamento que consolide, concentradamente, o entendimento acerca do tema afetado, sendo, pois, a hipótese prevista nos arts. 1.036 a 1.041 do CPC.

– Discussão da tese

O tema encontra-se pacificado na jurisprudência desta Corte, no sentido de que, na ação de consignação em pagamento, a insuficiência do depósito não conduz à improcedência do pedido, mas sim à extinção parcial da obrigação, até o montante da importância consignada, acarretando o reconhecimento da sucumbência recíproca.

Confiram-se os seguintes precedentes, a título de exemplo:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) – AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE CONHECEU DO AGRAVO PARA NEGAR SEGUIMENTO AO PRÓPRIO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA DO RÉU.

1. A insuficiência do depósito não enseja a improcedência do pedido de consignação em pagamento, podendo haver posterior complementação.

2. Na hipótese, houve efetiva controvérsia acerca da necessidade de complementação do depósito em razão de a parte credora ter procedido à resilição unilateral do contrato de compra e venda e procedido à devolução do sinal para terceiro, pessoa distinta do comprador, motivo pelo qual o acréscimo referente ao sinal fora realizado após a deliberação do juízo acerca do valor controvertido.

2.1 O só fato do autor complementar o depósito feito em ação de consignação em pagamento não lhe impõe os encargos da sucumbência, desde que seja vitorioso na contenda. Precedentes. Incidência da Súmula 83/STJ.

3. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 231.373/CE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 06/06/2017, DJe de 12/06/2017)

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. ANÁLISE DO CONTEÚDO DO DISPOSITIVO IMPUGNADO. MENÇÃO EXPRESSA. DESNECESSIDADE. DEPÓSITOS INSUFICIENTES. QUITAÇÃO PARCIAL DA OBRIGAÇÃO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. O prequestionamento não exige que haja menção expressa dos dispositivos infraconstitucionais tidos como violados, sendo necessário apenas que, no aresto recorrido, a questão tenha sido discutida e decidida fundamentadamente. No caso dos autos, em que pese o acórdão recorrido não tenha expressamente citado os dispositivos legais em relação aos quais a recorrente alega ausência de prequestionamento, tratou da matéria nele prevista, qual seja, resultado da ação consignatória quando o valor depositado não é integral.

2. Na ação de consignação em pagamento, a insuficiência do depósito não conduz à improcedência do pedido, mas sim à extinção parcial da obrigação, até o montante da importância consignada. Ademais, na hipótese de procedência parcial dos pedidos, os ônus de sucumbência devem ser suportados por ambas as partes.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no AREsp 609.219/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe de 04/11/2016)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÕES CONEXAS DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO E DE COBRANÇA. COTA CONDOMINIAL. INJUSTA RECUSA DO CREDOR. DEPÓSITO INSUFICIENTE. PROCEDÊNCIA PARCIAL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. DECAIMENTO MÍNIMO.

1. A jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que havendo injusta recusa do credor, de um lado, e depósito insuficiente pelo devedor, de outro, a hipótese é de acolhimento parcial do pedido de consignação no montante depositado, o que caracteriza a sucumbência recíproca.

2. Caso em que foi declarada injusta a recusa do condomínio por cobrança abusiva de encargos e apurada diferença mínima do valor devido com o depósito efetuado pela condômina, o que enseja a aplicação do parágrafo único do art. 21 do CPC.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no AREsp 98.619/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe de 18/09/2014)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. DEPÓSITOS INSUFICIENTES. QUITAÇÃO PARCIAL DA OBRIGAÇÃO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. SÚMULA 83/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Não se verifica ofensa ao art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem se manifesta de forma motivada para a solução da lide e declina os fundamentos jurídicos que embasaram sua decisão, não configurando omissão o pronunciamento judicial contrário à pretensão do recorrente.

2. Na ação de consignação em pagamento, a insuficiência do depósito não conduz à improcedência do pedido, mas sim à extinção parcial da obrigação, até o montante da importância consignada. Na hipótese de procedência parcial dos pedidos, os ônus de sucumbência devem ser suportados por ambas as partes. Incidência da Súmula 83/STJ.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 735.436/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 25/09/2015)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. RECONHECIMENTO DA AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADES EM ASSEMBLÉIA CONDOMINIAL CONSENTÂNEA COM AS NORMAS DA CONVENÇÃO DE CONDOMÍNIO. ENUNCIADOS 5 e 7/STJ. DEPÓSITOS INSUFICIENTES. QUITAÇÃO PARCIAL DA OBRIGAÇÃO. CABIMENTO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO VALOR DEVIDO. DESNECESSIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

(AgRg no REsp 1.406.105/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe de 25/06/2014)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. DEPÓSITOS INSUFICIENTES. QUITAÇÃO PARCIAL DA OBRIGAÇÃO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS.

– Na ação de consignação em pagamento, a insuficiência do depósito não conduz à improcedência do pedido, mas sim à extinção parcial da obrigação, até o montante da importância consignada.

– Na hipótese de procedência parcial dos pedidos, os ônus de sucumbência devem ser suportados por ambas as partes.

– Agravo não provido.

(AgRg nos EDcl no REsp 1.223.520/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe de 15/10/2012)

Destaca-se que, na análise dos dispositivos do Código Civil e do Código de Processo Civil incidentes à espécie, não se depreende vedação, sequer implícita, à adoção dessa solução racionalizadora da atividade jurisdicional.

Aos revés, o § 2º do art. 545 do Código de Processo Civil expressamente prevê que “a sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido e valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe o cumprimento nos mesmos autos, após liquidação, se necessária”

(grifou-se).

Essa possibilidade, que já era igualmente prevista no Código de Processo Civil revogado, foi salientada pelo eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar, no julgamento do REsp 94.425/SP, nos seguintes moldes:

“O art. 899 do CPC, com a redação dada pela Lei 8951/94, nos casos de insuficiência do depósito efetuado em ação consignatória, prevê que o juiz determinará, sempre que possível, o montante devido, que valerá como título executivo, podendo a execução ser promovida nos próprios autos.

Trata-se de uma feliz inovação do legislador da reforma, que veio dar maior eficácia à ação consignatória e resolver o impasse decorrente do reconhecimento da insuficiência do depósito, cuja sentença não solucionava a situação do devedor, que via rejeitado o seu pedido e continuava inadimplente sabe-se lá de qual quantia, e não auxiliava o credor, que permanecia com o crédito insatisfeito.

Pela regra atual, a insuficiência do depósito autoriza a liberação parcial do devedor e permite ao credor levantar o numerário oferecido. Com isso, transforma a ação consignatória na via a mais adequada para a definição dos créditos – e digo mais adequada porque nela já há pagamentos e quitações, satisfazendo, mais do que qualquer outra, os interesses dos contratantes. Além disso, culmina por entregar ao credor um título executivo e permite que, sem novo processo, obtenha a sua execução. Em casos tais, a ação consignatória é em parte procedente, naquilo em que o depósito serviu para a liberação parcial do devedor, e em parte improcedente, quanto ao débito que remanesce e ficou reconhecido na sentença. Havendo sucumbência recíproca, os ônus devem ser repartidos na forma preconizada pelo art. 21 do CPC.” (REsp 94.425/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, DJ de 12/05/1997, p. 18.810)

Não por outro motivo, diversos precedentes desta Corte defendem “ser possível a discussão do valor do débito em sede de ação de consignação em pagamento, ainda que para tanto seja necessária a revisão de cláusulas contratuais” (AgRg no REsp 1.179.034/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, DJe de 05/05/2015).

No mesmo sentido: AgRgAg 406.408/DF (Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 18/2/2002); AgRgAg 432.140/DF (Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJe de 17/6/2002); REsp 345.568/SP (Quarta Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe de 10/2/2003); REsp 299.171/MS (Quarta Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJe de 10/9/2001; e REsp 401.708/MG (Terceira Turma, Rel. Min. Castro Filho, DJe de 9/12/2003).

Nesse passo, destaque-se o julgamento do Recurso Especial nº 41.849/PR, no qual se decidiu que a ação “consignatória presta-se para solucionar dúvidas e controvérsias entre as partes relativas ao pagamento devido, servindo a instrução para aclarar as divergências existentes sobre a incidência da cláusula de reajuste diante de alteração legislativa posterior” (Terceira Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 28/4/1997 – grifou-se).

Também nessa esteira, mais modernamente, decidiu-se que, “na ação de consignação em pagamento, é possível ampla discussão sobre o débito e o seu valor, inclusive com a interpretação da validade e alcance das cláusulas contratuais“. Confira-se a ementa do julgado:

“Direito civil e processual civil. Contrato de financiamento imobiliário. Carteira hipotecária. Juros remuneratórios.

Capitalização mensal de juros. Taxa referencial. Incidência. CDC. Incidência. Compensação. Prequestionamento. Ausência. Ação de consignação em pagamento. Revisão de cláusulas contratuais.

Possibilidade.

– Em contrato de financiamento imobiliário firmado sob o regime da carteira hipotecária, não incide a limitação de juros remuneratórios prevista na Lei de Usura.

– É vedada a capitalização mensal de juros em contrato de financiamento imobiliário.

– Em regra, admite-se a incidência da taxa referencial como critério de atualização do saldo devedor em contrato de financiamento imobiliário.

– É de consumo a relação jurídica estabelecida entre o agente financiador e o mutuário adquirente do imóvel.

– É inadmissível o recurso especial na parte que em não houve o prequestionamento do direito tido por violado.

– na ação de consignação em pagamento, é possível ampla discussão sobre o débito e o seu valor, inclusive com a interpretação da validade e alcance das cláusulas contratuais. Precedentes.

– Recurso especial a que se dá parcial provimento.”

(REsp 436.842/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/03/2007, DJ de 14/05/2007, p. 279)

Nessa quadra, em atenção aos princípios da economia e celeridade processuais, corolários do princípio constitucional da razoável duração do processo, bem como em sujeição ao novíssimo princípio da primazia da decisão de mérito, nada impede – ao contrário, recomenda-se – o julgamento parcial da ação de consignação, com a relativa isenção da obrigação e fixação, nos mesmos autos, ainda que seja necessária a revisão da relação jurídica subjacente, de modo a fixar o saldo devedor que constituir-se-á em título judicial.

– Tese proposta:

Dessarte, para os fins dos arts. 927 e 1.036 a 1.041 do CPC, propõe-se a adoção da seguinte tese:

“Na ação de consignação em pagamento, a insuficiência do depósito não conduz à improcedência do pedido, mas sim à extinção parcial da obrigação, até o montante da importância consignada, acarretando o reconhecimento da sucumbência recíproca, devendo a sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinar, sempre que possível, o montante devido que valerá como título executivo, ainda que para tanto seja necessária a revisão de cláusulas contratuais.”

– Julgamento do caso concreto:

Passa-se à análise do caso concreto discutido no recurso especial, cujos contornos já foram inicialmente delineados, manejado diante de acórdão do eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, assentando que, “sendo insuficiente a importância depositada, deve o pleito de consignação em pagamento ser julgado improcedente, não havendo que se falar em extinção do vínculo obrigacional, mesmo que parcial” (na fl. 208).

Por sua vez, o recorrente alega, em síntese, que “é perfeitamente cabível a ação de consignação em pagamento, quanto houver litígio sobre o seu objeto” e que, no caso de insuficiência do depósito ofertado, “garante-se o reconhecimento da parcial quitação da dívida, já que o restante do débito pode ser objeto de execução nos próprios autos da ação consignatória, tanto é assim, que essa Corte Superior de Justiça já firmou entendimento no sentido ora pugnado” (na fl. 434).

Assiste-lhe razão, porquanto, nos termos da tese acima consolidada, na ação de consignação em pagamento, a insuficiência do depósito não conduz à improcedência do pedido, mas sim à extinção parcial da obrigação, até o montante da importância consignada, acarretando o reconhecimento da sucumbência recíproca, devendo a sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinar, sempre que possível, o montante devido que valerá como título executivo, ainda que para tanto seja necessária a revisão de cláusulas contratuais.

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso especial para determinar o retorno dos autos à instância de origem, a fim de que dê continuidade à ação de consignação nos moldes acima enunciados e nos termos do que decidido no REsp 1.176.639/DF.

É o voto.

VOTO-VISTA

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI: Cuida-se de recurso especial interposto por Clayton Vaz Cardoso Cintra Lima, com fundamento na alínea “a” do inciso III do art. 105 da Constituição Federal, visando à reforma de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios que, em julgamento conjunto de ações de consignação em pagamento e revisional de contrato de empréstimo e financiamento para renegociação de quatro outros (fl. 20 dos autos conexos, REsp 1.176.639/DF), negou provimento à apelação do ora recorrente, conforme a seguinte ementa (fl. 198):

CIVIL – REVISÃO DE CONTRATO E CONSIGNATÓRIA – NULIDADE DE CLÁUSULAS – DECRETO 22.626/33 – INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE DOS JUROS – TABELA PRICE – LEGALIDADE – MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36 SEM APLICABILIDADE – CAPITALIZAÇÃO DE JUROS NÃO DEMONSTRADA – ALTERAÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO – IMPOSSIBILIDADE – PREVALÊNCIA DO PRINCIPIO PACTA SUNT SERVANDA.

1. A pretensão em sugerir a alteração unilateral do contrato, para fazer inserir um reajuste sequer pactuado pelas partes, deve ser indeferida.

2. As disposições do Decreto nº. 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”. (Súmula 596 – STF).

3. Desde que livremente pactuados, considera-se lícita a cobrança de juros acima do limite legal, bem como a Emenda Constitucional 40/2003, que revogou o parágrafo 3º do art. 192 da Carta Magna.

4. No que se refere à capitalização de juros, não se desincumbiu o Apelante de fazer qualquer prova de sua ocorrência.

5. A adoção da Tabela Price, por suas características, não implica cobrança de juros sobre juros, não esbarrando em qualquer restrição legal.

6. Válida se mostra a cobrança da comissão de permanência, desde que não cumulada com qualquer outro encargo, ou qualquer outra quantia que compense o atraso no pagamento, ou com juros remuneratórios.

7. Não restando comprovados os vícios, as cláusulas financeiras do mútuo pactuado não comportam a intercessão judicial sobre o seu conteúdo e a desconsideração do que ficara pactuado.

8. Sentença mantida. Recursos da Revisional e da Consignatória desprovidos.

Unânime.

Sem a oposição de embargos de declaração, o recorrente apontou no especial (encartado às fls. 172/214 dos autos conexos, o REsp 1.176.639/DF, segundo explicitado na narrativa do Relator) a violação dos arts. 6º, incisos V e VIII, 51, inciso IV, e § 1º, incisos II e III, do Código de Defesa do Consumidor; 335, inciso V, do Código Civil; e 899, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil de 1973, a pretexto de que, de acordo com as Súmulas 121 e 93 do STF e do STJ, respectivamente, a capitalização dos juros é vedada em contratos como o dos autos, por constituir abusividade e onerosidade excessivas.

Pelo mesmo fundamento, repele a conclusão de que não foi demonstrada a aplicação de juros capitalizados já que faz jus à inversão do ônus probatório, diante de ser a parte hipossuficiente na avença, havendo ainda verossimilhança e abrigo em relação de consumo, nos termos da Súmula 297/STJ.

Adiciona que a incidência de juros remuneratórios superiores a 12% (doze por cento) ao ano infringe do mesmo modo o diploma consumerista.

Por fim, sustenta que o depósito deve ser reconhecido como quitação de parcela do débito, a título de valor incontroverso, liberando o devedor na mesma medida, o que impõe a procedência parcial da consignatória, na esteira da jurisprudência pacífica deste Tribunal, pois ao credor é facultado prosseguir no mesmo feito pela quantia remanescente, merecendo reforma o julgado distrital que julgou improcedente a ação consignatória por insuficiência do depósito apesar de haver excluído a cobrança cumulativa da comissão de permanência com outros encargos da mora.

Não foram apresentadas contrarrazões (cf. certidão de fl. 215).

Datada de 10.11.2008, a decisão de admissibilidade aplicou o óbice da Súmula 7/STJ a todos os temas objeto da ação revisional, porém admitiu pelo rito dos recursos repetitivos apenas quanto ao trecho do especial relativo ao efeito do depósito realizado na ação consignatória (fls. 216/219).

O Ministro Raul Araújo, relator originário, determinou fosse trasladada cópia da “petição inicial do recurso especial”, que foi juntada no TJDFT exclusivamente no processo conexo, o REsp 1.176.639/DF (fls. 256/257).

Às fls. 259/274, ocorreu a juntada apenas da inicial da ação revisional conexa.

Afetação aprovada pela Segunda Seção segundo os termos da Proposta de fls. 276/278.

Providências para instrução do repetitivo tomadas às fls. 280/282, inclusive a suspensão do trâmite de ações assemelhadas.

A Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN (fls. 299/345), admitida como amicus curiae, acentuou que a jurisprudência atualmente predominante nesta Corte orienta-se no sentido de a insuficiência do depósito na ação de consignação em pagamento não conduz à improcedência do pedido, mas à extinção parcial da obrigação até o montante da importância consignada. Sustentou, todavia, que a sucumbência não pode ser imposta ao réu, mesmo parcialmente, em virtude do princípio da causalidade, se não demonstrado que o credor recusou o recebimento mediante quitação parcial, concluindo (e-STJ 306-307):

“Caso o consignante tenha provocado, por conduta omissiva, uma judicialização desnecessária, deverá ser responsabilizado pelos ônus da sucumbência. O consignado não pode entrar no processo já ciente que deverá arcar com as custas e honorários do consignante pelo simples fato de aceitar o depósito e promover a quitação do débito.

Assim, nos casos de procedência parcial do pedido, só deverá haver a condenação do credor, ainda que atinente apenas ao depósito parcial, na hipótese de o consignado ter se recusado a dar a quitação parcial, dando causa ao ajuizamento da ação. Caso o consignante tiver exigido a quitação total e o depósito vier a ser julgado insuficiente, não há que se falar em causalidade e não caberá qualquer condenação ao credor

Caso contrário, estaria prejudicando ainda mais o credor que já sofreu com a inadimplência do devedor e não deu causa ao ajuizamento da ação. E mais, contribuindo para propagar a inadimplência que já é alarmante no país, causando danos tanto ao Estado (com a propositura da ação consignatória) quanto ao credor/consignado, que esperou para receber o seu crédito.”

O Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON (fls. 357/390) defendeu seja assentada a tese de que a insuficiência do depósito não acarreta a improcedência do pedido consignatório, mas a sua procedência parcial, com a extinção parcial da obrigação.

O Banco Central do Brasil (fls. 349/355) manifestou-se no sentido da ausência de interesse para ingressar como amicus curiae.

O parecer do Ministério Público Federal é pelo provimento do recurso especial para julgar parcialmente procedente o pedido ajuizado na ação de consignação em pagamento (fls. 442/448).

Com o afastamento do Ministro Relator para o exercício da Corregedoria-Geral da Justiça Federal, o processo foi atribuído ao Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª Região) na data de 3.10.2017.

Em 14.3.2018, o Ministro Relator apresentou voto no sentido do provimento do recurso especial e estabelecimento da seguinte tese:

Na ação de consignação em pagamento, a insuficiência do depósito não conduz à improcedência do pedido, mas sim à extinção parcial da obrigação, até o montante da importância consignada, acarretando o reconhecimento da sucumbência recíproca, devendo a sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinar, sempre que possível, o montante devido que valerá como título executivo, ainda que para tanto seja necessária a revisão de cláusulas contratuais“.

Pedi vista antecipada naquela oportunidade.

Ainda adiciono que o feito conexo (REsp 1.176.639/DF), ao qual ficaram relegadas as questões referentes à revisão do contrato, ainda não foi objeto de decisão até o momento, e que o óbice da Súmula 7/STJ, levantado na decisão de admissibilidade, não foi questionado no agravo nos próprios autos.

II

Assim resumida a matéria, passo a apresentar meu voto vista.

Preliminarmente, assinalo que a análise do especial está condicionada pela aplicação do Enunciado Administrativo 2/STJ, considerando que a publicação do acórdão ocorreu em 14.8.2008, quando em vigor o CPC revogado.

Ainda de início, registro que o contrato foi celebrado em 13.12.2001 (fl. 20 do REsp 1.176.639/DF). Existe previsão de taxa de juros mensal de 3,70% (três, inteiros e setenta centésimos por cento) e anual de 54,54% (cinquenta e quatro inteiros e cinquenta e quatro centésimos por cento).

O autor ajuizou duas ações: ação de revisão contratual e ação de consignação em pagamento.

Por meio da ação de revisão contratual, o autor logrou êxito em modificar apenas a cláusula que permitia a cumulação de comissão de permanência com juros de mora e multa. Os encargos da fase de normalidade contratual não foram alterados, ficando mantida a prestação pactuada.

A ação de consignação foi julgada improcedente, porque oferecida prestação não correspondente ao ajustado no contrato de mútuo, não suficiente para extinguir a obrigação.

As apelações em ambas as ações foram julgadas pelo mesmo acórdão, ora recorrido, que confirmou as duas sentenças.

O recurso especial ora em julgamento diz respeito apenas à ação consignatória.

III

Tenha-se em mente que a presente ação foi distribuída originalmente em 17.11.2003, quando já em vigor o atual Código Civil, publicado em 2002, que assim disciplinou a matéria, nos arts. 334 a 345:

Do Pagamento em Consignação

Art. 334. Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais.

Art. 335. A consignação tem lugar:

I – se o credor não puder, ou, sem justa causa, recusar receber o pagamento, ou dar quitação na devida forma;

II – se o credor não for, nem mandar receber a coisa no lugar, tempo e condição devidos;

III – se o credor for incapaz de receber, for desconhecido, declarado ausente, ou residir em lugar incerto ou de acesso perigoso ou difícil;

IV – se ocorrer dúvida sobre quem deva legitimamente receber o objeto do pagamento;

V – se pender litígio sobre o objeto do pagamento.

Art. 336. Para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento.

Art. 337. O depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente.

Art. 338. Enquanto o credor não declarar que aceita o depósito, ou não o impugnar, poderá o devedor requerer o levantamento, pagando as respectivas despesas, e subsistindo a obrigação para todas as conseqüências de direito.

Art. 339. Julgado procedente o depósito, o devedor já não poderá levantá-lo, embora o credor consinta, senão de acordo com os outros devedores e fiadores.

O CPC de 1973 tratou da ação de consignação em pagamento nos seguintes termos, já considerando as alterações introduzidas pela Lei 8.951, de 13.12.1994, que emprestou ao feito o caráter dúplice, proporcionando a formação do título executivo em favor do réu/credor, norma com nítido caráter material:

DA AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO

Art. 890. Nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida.

§ 1º Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o devedor ou terceiro optar pelo depósito da quantia devida, em estabelecimento bancário, oficial onde houver, situado no lugar do pagamento, em conta com correção monetária, cientificando-se o credor por carta com aviso de recepção, assinado o prazo de 10 (dez) dias para a manifestação de recusa. (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994)

§ 2º Decorrido o prazo referido no parágrafo anterior, sem a manifestação de recusa, reputar-se-á o devedor liberado da obrigação, ficando à disposição do credor a quantia depositada. (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994)

§ 3º Ocorrendo a recusa, manifestada por escrito ao estabelecimento bancário, o devedor ou terceiro poderá propor, dentro de 30 (trinta) dias, a ação de consignação, instruindo a inicial com a prova do depósito e da recusa. (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994)

§ 4º Não proposta a ação no prazo do parágrafo anterior, ficará sem efeito o depósito, podendo levantá-lo o depositante. (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994)

Art. 891. Requerer-se-á a consignação no lugar do pagamento, cessando para o devedor, tanto que se efetue o depósito, os juros e os riscos, salvo se for julgada improcedente.

Parágrafo único. Quando a coisa devida for corpo que deva ser entregue no lugar em que está, poderá o devedor requerer a consignação no foro em que ela se encontra.

Art. 892. Tratando-se de prestações periódicas, uma vez consignada a primeira, pode o devedor continuar a consignar, no mesmo processo e sem mais formalidades, as que se forem vencendo, desde que os depósitos sejam efetuados até 5 (cinco) dias, contados da data do vencimento.

Art. 893. O autor, na petição inicial, requererá: (Redação dada pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994)

I – o depósito da quantia ou da coisa devida, a ser efetivado no prazo de 5 (cinco) dias contados do deferimento, ressalvada a hipótese do § 3º do art. 890; (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994)

II – a citação do réu para levantar o depósito ou oferecer resposta. (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994)

(…)

Art. 896. Na contestação, o réu poderá alegar que: (Redação dada pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994)

I – não houve recusa ou mora em receber a quantia ou coisa devida;

II – foi justa a recusa;

III – o depósito não se efetuou no prazo ou no lugar do pagamento;

IV – o depósito não é integral.

Parágrafo único. No caso do inciso IV, a alegação será admissível se o réu indicar o montante que entende devido. (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994)

Art. 897. Não oferecida a contestação, e ocorrentes os efeitos da revelia, o juiz julgará procedente o pedido, declarará extinta a obrigação e condenará o réu nas custas e honorários advocatícios. (Redação dada pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994)

Parágrafo único. Proceder-se-á do mesmo modo se o credor receber e der quitação.

(…)

Art. 899. Quando na contestação o réu alegar que o depósito não é integral, é lícito ao autor completá-lo, dentro em 10 (dez) dias, salvo se corresponder a prestação, cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato.

§ 1º Alegada a insuficiência do depósito, poderá o réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa depositada, com a conseqüente liberação parcial do autor, prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida. (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994)

§ 2º A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos. (Incluído pela Lei nº 8.951, de 13.12.1994) (sem destaques no original)

Apenas para efeito comparativo, ressalto que a redação do CPC de 2015 não inovou significativamente quanto ao tema:

Art. 539. Nos casos previstos em lei, poderá o devedor ou terceiro requerer, com efeito de pagamento, a consignação da quantia ou da coisa devida.

§ 1º Tratando-se de obrigação em dinheiro, poderá o valor ser depositado em estabelecimento bancário, oficial onde houver, situado no lugar do pagamento, cientificando-se o credor por carta com aviso de recebimento, assinado o prazo de 10 (dez) dias para a manifestação de recusa.

§ 2º Decorrido o prazo do § 1º, contado do retorno do aviso de recebimento, sem a manifestação de recusa, considerar-se-á o devedor liberado da obrigação, ficando à disposição do credor a quantia depositada.

§ 3º Ocorrendo a recusa, manifestada por escrito ao estabelecimento bancário, poderá ser proposta, dentro de 1 (um) mês, a ação de consignação, instruindo-se a inicial com a prova do depósito e da recusa.

§ 4º Não proposta a ação no prazo do § 3º, ficará sem efeito o depósito, podendo levantá-lo o depositante.

Art. 540. Requerer-se-á a consignação no lugar do pagamento, cessando para o devedor, à data do depósito, os juros e os riscos, salvo se a demanda for julgada improcedente.

Art. 541. Tratando-se de prestações sucessivas, consignada uma delas, pode o devedor continuar a depositar, no mesmo processo e sem mais formalidades, as que se forem vencendo, desde que o faça em até 5 (cinco) dias contados da data do respectivo vencimento.

Art. 542. Na petição inicial, o autor requererá:

I – o depósito da quantia ou da coisa devida, a ser efetivado no prazo de 5 (cinco) dias contados do deferimento, ressalvada a hipótese do art. 539, § 3º;

II – a citação do réu para levantar o depósito ou oferecer contestação.

Parágrafo único. Não realizado o depósito no prazo do inciso I, o processo será extinto sem resolução do mérito.

(…)

Art. 544. Na contestação, o réu poderá alegar que:

I – não houve recusa ou mora em receber a quantia ou a coisa devida;

II – foi justa a recusa;

III – o depósito não se efetuou no prazo ou no lugar do pagamento;

IV – o depósito não é integral.

Parágrafo único. No caso do inciso IV, a alegação somente será admissível se o réu indicar o montante que entende devido.

Art. 545. Alegada a insuficiência do depósito, é lícito ao autor completá-lo, em 10 (dez) dias, salvo se corresponder a prestação cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato.

§ 1º No caso do caput, poderá o réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa depositada, com a consequente liberação parcial do autor, prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida.

§ 2º A sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido e valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe o cumprimento nos mesmos autos, após liquidação, se necessária.

Art. 546. Julgado procedente o pedido, o juiz declarará extinta a obrigação e condenará o réu ao pagamento de custas e honorários advocatícios.

Parágrafo único. Proceder-se-á do mesmo modo se o credor receber e der quitação.

Da análise dos dispositivos legais acima, pode-se concluir:

a) das normas substantiva e procedimental, que a consignação de valor monetário é forma de pagamento integral da dívida vencida e que tem por objetivo extinguir a obrigação, ainda que se admita o depósito das parcelas vincendas, ainda não exigíveis (CC, arts. 334 e 336; CPC/73, art. 890);

b) que, em relação ao tema em debate, só tem lugar quando o credor não puder receber ou se recusar, sem justa causa, a receber ou dar quitação, ou pender litígio sobre o objeto (CC, art. 335);

c) que devem concorrer os requisitos para a validade do pagamento, como tempo, modo, valor, sujeitos, lugar e acréscimos legais (CC, arts. 336 e 337, CPC/73, arts. 890, § 1º, e 891);

d) que a consignação em estabelecimento bancário (extrajudicial), assim como o ajuizamento do feito judicial, direito de ação que é, constitui faculdade (“poderá”) do devedor (CPC/73, art. 890, § 1º);

e) que cessa para o devedor, sobre a importância depositada, a fluência de juros e os riscos, exceto se for julgada improcedente a consignatória (CPC/73, art. 891);

f) que o réu/credor, se alegar que o pagamento não é integral, deve indicar o montante que entende devido (CPC/73, art. 896, inciso IV e parágrafo único);

g) com a procedência do pedido se dará a declaração de extinção da obrigação;

h) que existe possibilidade de julgamento de improcedência (CPC/1973, art. 891), caso em que o depósito não terá tido o efeito de fazer cessar a mora do devedor. IV

É certo que o voto apresentado pelo Ministro Relator tem apoio na jurisprudência atual deste Tribunal, inclusive sob a minha relatoria, mas penso que é o momento de uma nova reflexão sobre o tema.

A doutrina de João Roberto Parizatto, lastreada em lições de ilustres juristas, bem explicita o objetivo, os requisitos e os efeitos da ação de consignação em pagamento:

Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais (novo Código Civil, art. 334). O depósito judicial far-se-á através de ação de consignação em pagamento prevista no art. 890 do Código de Processo Civil e o depósito bancário na forma do parágrafo 1º do art. 890 do dispositivo citado.

(…)

O texto no novo Código Civil prevê que a recusa deve ser por justa causa. Justa causa pode ser conceituada como o motivo que legalmente ou procedentemente justifique determinada coisa.

(…)

Face a inúmeros motivos que podem ensejar a recusa por parte do credor, impossível seria delinear-se quais os casos em que se entenderia a recusa como justa. Silenciando-se, o Código Civil, a tal questão, tem-se que o conceito de justa recusa terá de ser analisado ao arbítrio do juiz, que ao analisar a questão fática e específica do respectivo caso, colocada sobre a sua apreciação, dará seu pronunciamento, entendendo ou não pela justiça da recusa, ficando sua decisão, evidentemente, sujeita à reapreciação pela Superior Instância, em recurso facultativo das partes litigantes.

SILVIO RODRIGUES, Direito Civil, Vol. II. Ed. Saraiva, 1986, p. 195, ensina que:

“Quando a recusa do credor encontra justificativa, a ação é julgada improcedente; quando não se esteia em boa razão, como no exemplo acima, a ação é julgada procedente e o depósito equivale a pagamento.”

A justa causa, portanto, terá de ser apreciada caso a caso, sem que se possa defini-la de forma geral, merecendo-se uma análise de acordo com as particularidades de cada caso.

(…)

(“Consignação em pagamento”. Edipa, Ouro Fino/São Paulo, 2003, pp. 1/9) (sem sublinhas no original)

Dessa linha, não se desvia Antônio Carlos Marcato:

8.1. A defesa do inc. I: se o réu sustentar, em sua contestação, a inocorrência de recusa ou de mora no recebimento da quantia ou da coisa devida (e sendo a dívida de natureza portável), é do autor o ônus da prova do fato constitutivo de seu direito (NCPC, art. 373, I), cabendo-lhe demonstrar ter diligenciado, sem sucesso, o pagamento junto ao credor; tratando-se de dívida quesível, bastará ao autor afirmar que o réu não foi, nem mandou buscar a prestação devida, no tempo, lugar e modo convencionados, competindo ao segundo, neste caso, o ônus de provar que diligenciou o recebimento.

8.2. A defesa do inc. II: o réu poderá reconhecer a recusa afirmada na petição inicial, mas fundar sua defesa na justeza de seu comportamento, alegando, por exemplo, a ausência de qualquer dos requisitos do pagamento, à época da oferta da prestação pelo devedor, circunstância que invalidaria aquele ato extintivo da obrigação; apresentada essa sua linha de defesa, será dele o ônus da prova (NCPC, art. 333, I).

(…)

8.4. A defesa do inciso IV: o réu poderá alegar, finalmente, a não integralidade do depósito, sob o argumento de que a quantia ou a quantidade de coisas depositadas não corresponde à totalidade da dívida. Adotando essa linha de defesa, compete-lhe indicar o montante de que repute devido, sob pena de ser desconsiderada a sua alegação (NCPC, art. 544, parágrafo único), até porque, vindo a ser rejeitado o pedido consignatório, o juiz condenará o autor-consignante ao pagamento da diferença reclamada pelo credor-réu, mercê da natureza dúplice, nesta hipótese, da ação consignatória. Por outras palavras, sendo a contestação fundada na insuficiência do depósito, a ação de consignação em pagamento assume natureza dúplice e, rejeitado o pedido formulado pelo autor, o juiz o condenará, independentemente da oferta de reconvenção pelo réu, a satisfazer o montante devido (a diferença apontada na contestação – art. 544, parágrafo único); e como a sentença conterá carga condenatória, valerá como título executivo judicial (art. 515, I), incidindo, então, o disposto nos arts. 520 e s. do novo Código de Processo Civil.

(…)

9.1. A não complementação do depósito e suas consequências: examinemos algumas situações relacionadas à não complementação do depósito.

A – O autor não complementa o depósito, mas o juiz se convence, ao final, da correção e adequação daquele originalmente realizado: deverá acolher o pedido consignatório e declarar extinta a obrigação, arcando o réu com o ônus da sucumbência, pois se revelou injustificada a sua resistência.

B – Reconhecida a insuficiência do depósito, o juiz adotará uma, entre as seguintes providências: (i) se o réu não efetuou o levantamento do depósito, facultado (mas não imposto!) pelo § 1º do art. 545, será rejeitado o pedido consignatório, arcando o autor, com exclusividade, com as consequências decorrentes da sucumbência; e, independentemente de dedução de pedido reconvencional pelo réu (mercê da natureza dúplice, neste caso, da ação consignatória), o autor consignante será ainda condenado ao pagamento (ou à entrega) da diferença da quantia (ou da coisa) devida, valendo a sentença como título executivo judicial, a permitir ao credor-réu a sua execução. (…); (ii) se o réu levantou o depósito, as consequências serão idênticas às enunciadas no item anterior, seja porque o levantamento atinge apenas as parcelas incontroversas, não autorizando a conclusão de que, ao levantá-las, ele tenha reconhecido a pertinência e a suficiência de depósito, estará demonstrada a correção da conduta do réu ao recusá-lo, nos moldes em que foi efetivado pelo autor, circunstância suficiente, por si só, a ensejar a rejeição do pedido consignatório.

(“Novo Código de Processo Civil”, vol. I, Saraiva, São Paulo, 2016, pp. 79/82)

A impossibilidade de fracionar o pagamento, que deve ocorrer de forma integral, ou ainda impor o recebimento de forma diversa da ajustada na obrigação assumida, também encontra eco em precedentes desta Corte:

PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. TAXA SELIC. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 283/STF. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. NATUREZA E FINALIDADE. UTILIZAÇÃO PARA OBTER PROVIMENTO DE CARÁTER CONSTITUTIVO, MODIFICATIVO DO PRAZO DA OBRIGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. TRIBUTÁRIO. CONFISSÃO DA DÍVIDA. PARCELAMENTO DO DÉBITO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA NÃO CONFIGURADA. EXCLUSÃO DA MULTA MORATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Não viola o artigo 535 do CPC, nem importa negativa de prestação jurisdicional o acórdão que adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia posta.

2. Não pode ser conhecido o recurso especial que não ataca fundamento que, por si só, é apto a sustentar o juízo emitido pelo acórdão recorrido. Aplicação analógica da Súmula 283/STF.

3. O depósito em consignação é modo de extinção da obrigação, com força de pagamento, e a correspondente ação consignatória tem por finalidade ver atendido o direito – material – do devedor de liberar-se da obrigação e de obter quitação. Trata-se de ação eminentemente declaratória: declara-se que o depósito oferecido liberou o autor da respectiva obrigação.

4. Sendo a intenção do devedor, no caso concreto, não é a de pagar o tributo, no montante que entende devido, mas, sim, a de obter moratória, por meio de parcelamento em 120 meses, é inviável a utilização da via consignatória, que não se presta à obtenção de provimento constitutivo, modificador de um dos elementos conformadores da obrigação (prazo). Precedentes: AgRg no Ag 724.727/RS, Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 23.05.2006, DJ 08.06.2006; REsp 750.593/RS, Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 30.05.2006.

5. Firmou-se na 1ª Seção o entendimento no sentido de que a simples confissão de dívida, seguida de pedido de parcelamento, não caracteriza a denúncia espontânea prevista no art. 138 do CTN. Precedentes: AgRg no RESP 683453/RS, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 20.06.2005; RESP 724227/PR, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de 20.06.2005.

6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido. (sem negrito no original)

(Primeira Turma, REsp 886.757/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, unânime, DJU de 26.3.2007)

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 334 E 335, I DO NOVO CÓDIGO CIVIL; 535 E 890 DO CPC E DISSÍDIO PRETORIANO. PRETENSÃO DE DEPOSITAR DINHEIRO NO LUGAR DE COISA DEVIDA: SACAS DE SOJA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

1. Não há violação ao artigo 535, II do CPC quando o acórdão examinou as questões controvertidas na lide, expondo os fundamentos que o levaram às conclusões assumidas.

2. A consignação em pagamento visa exonerar o devedor de sua obrigação, mediante o depósito da quantia ou da coisa devida, e só poderá ter força de pagamento se concorrerem “em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento” (artigo 336 do NCC).

3. Celebrado contrato entre as partes para a entrega de 372 sacas de soja de 60kg, a US$9,00 cada uma, sem estipulação de outra forma alternativa de cumprimento dessa obrigação, não é possível o uso da ação de consignação em pagamento para depósito em dinheiro daquilo que o devedor entende devido.

4. A consignação exige que o depósito judicial compreenda o mesmo objeto que seria preciso prestar, para que o pagamento possa extinguir a obrigação, pois “o credor não é obrigado a receber a prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa” (art. 313 do NCC)

5. Recurso especial não-provido. (sem negritos no original)

(Quarta Turma, REsp 1.194.264/PR, Rel. Ministro LUÍS FELIPE SALOMÃO, unânime, DJe de 4.3.2011)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO IMPROCEDENTE. VALOR DEPOSITADO INSUFICIENTE. PAGAMENTO DE DÍVIDA COMO TERCEIRO INTERESSADO. NECESSIDADE DE DEPÓSITO INTEGRAL COMPREENDENDO PRESTAÇÃO DEVIDA, JUROS, CORREÇÃO E EVENTUAIS DESPESAS.

1. “A teor da jurisprudência desta Corte, aliás, fundamentada no caráter propter rem das quotas condominiais, uma vez transferido o imóvel, a ação de cobrança dos encargos a ele correspondentes pode ser proposta tanto contra o proprietário como contra o promissário comprador, pois o interesse prevalente é o da coletividade de receber os recurso para pagamento de despesas indispensáveis e inadiáveis, podendo o credor escolher, entre aqueles que tenham uma relação jurídica vinculada ao imóvel, ou seja, a responsabilidade pelas quotas deve ser aferida de acordo com as circunstâncias do caso concreto”. (REsp n.771.610/SP, relator Ministro JORGE SCARTEZZINI, 4ª Turma, unânime, DJ 13.3.2006)

2. “A consignação em pagamento visa exonerar o devedor de sua obrigação, mediante o depósito da quantia ou da coisa devida, e só poderá ter força de pagamento se concorrerem ’em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento’ (artigo 336 do NCC)”. (REsp 1194264 / PR, relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª Turma, unânime, DJe 4.3.2011)

3. Agravo regimental a que se nega provimento. (sem negrito no original)

(Quarta Turma, AgRg no REsp 947.460/RS, minha relatoria, unânime, DJe de 10.4.2012)

Outra particularidade decisiva é a identificação da mora do credor.

O sistema jurídico brasileiro não prevê a simultaneidade de mora, podendo ela estar ausente ou presente em momentos disjuntos, conforme o momento e as atitudes das partes contratantes, porém nunca ao mesmo tempo ocorrendo em prejuízo do consignante e do consignado.

Andrea Zanetti e Fernanda Tartuce fazem as seguintes observações a respeito da questão:

Na mora accipidendi temos, portanto, os seguintes elementos: a oferta da prestação pelo devedor em tempo, modo e lugar ajustados e recusa injustificada do credor. A recusa injustificada, como anota Agostinho Alvim, é o momento em que se inicia a mora do credor e seus efeitos.

(…)

Já a qualidade de “injustificada” ou “desmotivada” que pauta a recusa considera: a) a ausência de amparo na lei; b) a ausência de fundamento no contrato; c) a falta de relação direta com a obrigação; d) a reação desproporcional e desarrazoada, considerando a extensão e efeitos do descumprimento do devedor; esta última hipótese foi construída em sede jurisprudencial.

(…)

O momento da caracterização da mora do credor é importante pelos efeitos que acarreta na relação obrigacional – sobretudo nos contratos. Assim temos: (a) a exclusão da mora do devedor, já que não há mora concomitante em nosso sistema; (b) a atenuação da responsabilidade do devedor, sendo os riscos da guarda e conservação da coisa atribuídos ao credor – salvo dolo do devedor;

(…) (sem negrito no original)

(“A demanda consignatória e a mora do credor: compreensão tradicional e avanços jurisprudenciais” in “25 anos do Código de Defesa do Consumidor: panorama atual e perspectivas futuras”, Angélica Arruda Alvim et al., coord., GZ ed., Rio de Janeiro, 2017, pp. 600/601)

Assim também entende André Luís Monteiro:

Conforme já esclarecido no item precedente, o devedor detém o direito de se exonerar da obrigação por meio da consignação em pagamento, sendo certo que, na maioria dos casos, o exercício desse direito, como de qualquer outro direito, é uma faculdade, muitas vezes inspirada, como acontece nesse caso, pela cautela. E isso ocorre porque não há simultaneidade de moras, razão pela qual quando estiver caracterizada a mora do credor, inevitavelmente o devedor não estará em mora ou, ao menos, não estará mais em mora. Não havendo mora de sua parte, o devedor pode exercer ou não o direito de consignar, sem que a sua omissão possa lhe trazer qualquer prejuízo. É por isso que se diz, nesses casos, que se trata de faculdade. Conforme bem sintetiza Pontes de Miranda, “não há dever de consignar”.

(“Ação de consignação em pagamento, depósito insuficiente e resultado do processo: uma reflexão a respeito da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça”, Revista Forense, Forense ed., vol. 415, jan.-jun./2012, pp. 31/32)

V

Considero que a jurisprudência predominante do STJ, acerca da procedência parcial da ação em caso de depósito insuficiente, não é, data máxima vênia, compatível com o princípio de direito civil de que não há mora simultânea, e nem a com disciplina processual da ação consignatória, a qual determina, como pressuposto para o exame do mérito, o depósito inicial da integralidade da dívida vencida, com o fito de extinção da obrigação.

Os diversos julgados que representam o atual entendimento desta Corte, fundamento do voto do eminente relator, na prática, suprimem a hipótese legal de improcedência do feito, ao arrepio do art. 891 do CPC/1973.

Com efeito, não havendo depósito, a sentença será de extinção do processo sem exame do mérito (CPC 2015, art. 542, parágrafo único). Havendo depósito insuficiente, terá sido justa a recusa do credor, que não pode ser obrigado a receber em parte a prestação, se tal não foi convencionado, e, portanto, o resultado coerente com o ordenamento jurídico será a improcedência e não a procedência parcial do pedido.

A aceitação de qualquer depósito, de qualquer valor, como hipótese de procedência parcial do pedido, privaria de efeito a regra legal segundo a qual cessa para o devedor “tanto que se efetue o depósito, os juros e os riscos, salvo se for julgada improcedente” a consignação (CPC/73, art. 891, CPC/2015, art. 540); isso porque a ação seria sempre julgada parcialmente procedente, mesmo que manifestamente insuficiente o depósito para extinguir a obrigação, mesmo que justificada a recusa do credor, tendo o autor inadimplente dado causa ao ajuizamento da ação.

A interpretação corrente dos dispositivos legais em vigor é alvo de críticas pertinentes no estudo publicado por André Luís Monteiro, do qual extraio as seguintes passagens:

Neste singelo trabalho, cumpre analisar especialmente a defesa apresentada pelo credor fundada na insuficiência do depósito, cujo fundamento legal se encontra no art. 896, inc. IV, do Código de Processo Civil de 1973 (correspondente ao art. 529, inc. IV, do Projeto de Novo Código de Processo Civil aprovado no Senado Federal). O parágrafo único do referido dispositivo de lei atribui ao credor que baseia sua defesa na insuficiência do depósito o ônus de demonstrar qual o montante que entende devido, pois, segundo a dicção legal, “a alegação será admissível se o réu indicar o montante que entende devido”.

Alegada a insuficiência do depósito pelo credor e demonstrado na contestação qual o valor correto, abrem-se duas principais possibilidades ao devedor: (i) complementar o depósito até o montante demonstrado pelo credor na contestação ou (ii) insistir no valor consignado inicialmente.

A respeito da primeira hipótese, o art. 899 do diploma processual civil de 1973, com redação semelhante àquela prevista no art. 530 do PL n. 8.046/10, dispõe que “quando na contestação o réu alegar que o depósito não é integral, e lícito ao autor completá-lo, dentro em 10 (dez) dias, salvo se corresponder a prestação, cujo inadimplemento acarrete a rescisão do contrato. A complementação do depósito por parte do devedor cria uma situação processual peculiar, pois é como se o autor reconhecesse o direito do réu – situação inversa ao mais conhecido “reconhecimento jurídico do pedido” (art. 269, inc. II), feito pelo réu em relação ao pedido do autor -, o que cria embaraços no resultado do processo. Afinal, nessa hipótese, a sentença deve ser de improcedência, de procedência ou terminativa?

Segundo Pontes de Miranda, nesse caso, “há elemento para a sentença do juiz favorável ao réu”. Adroaldo Furtado Fabrício, se referindo a um peculiar “reconhecimento da contestação”, considera que “a sentença é do gênero das tratadas no art. 269, mas em nenhum dos seus incisos o caso se pode enquadrar”. Já Alexandre Freitas Câmara defende que nesse caso “o juiz proferirá sentença, julgando procedente o pedido, para o fim de declarar que o depósito (com o complemento) pôs fim à relação obrigacional”. O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já teve oportunidade de decidir, conforme consta do voto da Ministra Eliana Calmon, que “se o réu contesta a ação, alegando insuficiência do depósito, ao autor é facultado, no prazo de dez dias, complementar o depósito (art. 899, caput, do CPC). Nesta hipótese, a ação deve ser julgada improcedente”. A questão, como se vê, não comporta solução fácil.

Caso o devedor pretenda insistir no valor depositado inicialmente, o juiz deverá apurar, na instrução probatória, se a quantia consignada seria suficiente ao pagamento regular ou não e, a partir disso, decidir pela procedência ou improcedência do pedido consignatório. Destaque-se que, nesse último caso, conforme a dicção do § 2º do art. 899 do Código de Processo Civil de 1973, em redação semelhante a do Projeto de Novo Código de Processo Civil aprovado no Senado Federal, “a sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos”. O tema da insuficiência do depósito será mais bem examinado nos próximos itens, após o exame da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a respeito.

(ob. cit, pp. 41/43)

Feito o histórico a que se referiu o autor, com análise da jurisprudência desta Corte que partilha do entendimento de que o depósito insuficiente conduz à improcedência dos pedidos na consignatória, julgados que serão transcritos adiante, prosseguiu ele desenvolvendo o tema:

No que diz respeito à sentença de improcedência, o ato decisório pode portar apenas conteúdo declaratório negativo, como ocorre com a normalidade das sentenças de improcedência, ou, no caso de discussão quanto à insuficiência do depósito, pode conter também conteúdo condenatório. Antonio Carlos Marcato, no que tange a esse último aspecto, adverte que “não se perca de vista, porém, a situação prevista no último parágrafo do art. 899 do CPC (condenação do autor ao pagamento da diferença do depósito), quando então a sentença também terá carga condenatória, tanto que valerá como título executivo-judicial (CPC, art. 584, inc. l). No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “há apenas uma hipótese em que a lei processual atribui à sentença proferida na ação de consignação força executiva: quando o Juiz conclui que o depósito é insuficiente, determinando a complementação, na forma do § 2° do art. 899 do Código de Processo Civil”.

(…)

4. FUNDAMENTOS PELOS QUAIS A INSUFICIÊNCIA DO DEPÓSITO DEVE LEVAR A IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO NA AÇÃO CONSIGNATÓRIA

4.1. O credor não é obrigado a receber em termos diversos do que foi contratado

Arruda Alvim leciona que “o que se vai discutir a respeito do que se vai decidir na consignação em pagamento, é se a recusa, por parte do credor, foi ou não justa”. O que importa, pois, na ação de consignação em pagamento é (i) verificar o acerto da conduta do credor em recusar o recebimento da prestação ou (ii) averiguar a eventual impossibilidade alegada pelo devedor de identificar o credor. No que tange à primeira hipótese, que é a pertinente na presente questão, pode-se dizer que saber se a recusa do credor em receber é justa ou injusta é questão que somente pode ser solucionada com olhos nas obrigações convencionadas pelas partes e, em algumas situações, nos deveres legalmente impostos.

Como a consignação em pagamento é modalidade de extinção das obrigações que equivale, por disposição de lei, ao pagamento, a recusa do credor que se avalia na consignação é a mesma que se avaliaria por ocasião do pagamento.

Assim sendo, é preciso recorrer à basilar regra de direito civil no sentido de que o credor não é obrigado a receber em termos diversos do que foi contratado, ainda que a coisa oferecida ostente maior valor (objeto do pagamento), ainda que o lugar lhe pareça mais favorável (lugar do pagamento), ainda que se pretenda adiantar o termo para o cumprimento da obrigação (tempo do pagamento). O Código Civil de 2002 traz essa regra expressa no art. 313, segundo o qual “o credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa”. (…)

É o chamado princípio da exatidão do dever de prestar, universalmente e desde sempre aceito no âmbito do Direito das Obrigações.

Especificamente no que tange às prestações de objeto divisível, como são as prestações pecuniárias, o art. 314 do Código Civil de 2002 mantém a mesma regra, razão pela qual “ainda que a obrigação tenha por objeto prestação divisível, não pode o credor ser obrigado a receber, nem o devedor a pagar, por partes, se assim não se ajustou”. (…) A esse respeito, Judith Martins-Costa é expressa ao ensinar que “o credor não está obrigado a receber uma prestação parcial, podendo exigir que o devedor cumpra por inteiro o que é devido”.

Em perfeita consonância com a regulamentação legal do pagamento, a própria disciplina da consignação no estatuto civil brasileiro, como não poderia deixar de ser, possui regra expressa, no art. 336, segundo o qual “para que a consignação tenha força de pagamento, será mister concorram, em relação às pessoas, ao objeto, modo e tempo, todos os requisitos sem os quais não é válido o pagamento”.

(…)

Em resumo, como o credor não é obrigado a receber em termos diversos do contratado e como a consignação equivale ao pagamento, a inferência lógica e tecnicamente correta, é que na consignação em pagamento o depósito deve ser feito no valor exato que serviria ao pronto pagamento, sob pena de legitimar a recusa do credor e caracterizar a mora do devedor. Pagamento parcial não é pagamento; depósito parcial na consignação não equivale a pagamento; nesses casos, a recusa do credor em receber é inteiramente correta e deve ser prestigiada pelo direito. Eventual decisão em sentido contrário viola direta e expressamente os arts 313, 314 e 336 do Código Civil de 2002, razão pela qual se torna possível o seu controle por meio de recurso especial.

(…)

Observe-se que quando o devedor está em mora, a conseqüência automática é a fluência dos juros moratórios, a incidência de correção monetária nos parâmetros legais, a aplicação das penas eventualmente convencionadas e a assunção dos riscos inerentes à coisa. Quando o devedor cumpre, integralmente, a obrigação contratada, cessam todos esses efeitos na data do pagamento, o que também acontece na consignação em pagamento a partir da data do depósito, desde que, ao final, o pedido seja julgado procedente. Nesse sentido, dispõe o art. 337 do Código Civil de 2002, segundo o qual “o depósito requerer-se-á no lugar do pagamento, cessando, tanto que se efetue, para o depositante, os juros da dívida e os riscos, salvo se for julgado improcedente”. Da mesma forma, o Código de Processo Civil, em seu art. 891, prevê que “requerer-se-á a consignação no lugar do pagamento, cessando para o devedor, tanto que se efetue o depósito, os juros e os riscos, salvo se for julgada improcedente”.

É importante ressaltar que na ação de consignação em pagamento fundada em dúvida quanto ao quantum debeatur, o julgamento de improcedência do pedido faz com que todos os efeitos da mora se produzam em relação ao devedor, inclusive no que diz respeito à parcela consignada. Exatamente nesse sentido, Pontes de Miranda explica, com razão, que “se o devedor deposita parte e o credor recusa o depósito, não se dá mora do credor, e o devedor fica em mora pelo todo, inclusive quanto à parte depositada”. Em conseqüência, nesses casos, reconhecida a insuficiência da quantia oferecida a depósito, a quitação integral somente será obtida quando o devedor (i) efetuar o pagamento da parcela restante, (ii) efetuar o pagamento do valor relativo à correção monetária e aos juros moratórios da parcela restante, bem como (iii) efetuar o pagamento do valor relativo aos consectários legais da parcela consignada.

O depósito faz cessar para o devedor os efeitos da mora, inclusive a fluência de juros de mora, salvo se a demanda for julgada improcedente.

Sendo julgada improcedente em razão da insuficiência do depósito, são restaurados os efeitos da mora, inclusive no que diz respeito à parcela consignada, conforme a lição de Pontes de Miranda acima lembrada.

Sendo a conta de depósito sujeita à remuneração, naturalmente o complemento a ser exigido do devedor em função da fluência da mora haverá de ser, no tocante à parcela consignada, apenas eventual diferença entre os encargos da mora previstos no contrato e a remuneração creditada pelo estabelecimento onde feito o depósito, sob pena de enriquecimento ilícito do credor.

Prossigo com a transcrição do esclarecedor trabalho de André Luís Monteiro, no ponto em que analisa a distorção da regra do art. 891 do CPC/73 (correspondente ao art. 540 do CPC vigente):

Há enorme distorção dessa regra quando a sentença reconhece a insuficiência do depósito e, mesmo assim, julga parcial procedente o pedido do devedor, outorgando-Iheliberação parcial da dívida. A distorção ocorre, nesse caso, porque o devedor, apesar de não ter consignado o valor que serviria ao pronto pagamento, obtém a exclusão dos acréscimos legais em relação à parcela depositada em juízo. Isso eqüivale a conceder ao devedor um parcelamento da dívida, pois somente assim é que seria possível o pagamento em duas parcelas sem a fluência de juros moratórios e a incidência de correção monetária. Ocorre, porém, que esse parcelamento não foi ajustado entre aspartes e, mais do que isso, a promessa de pagamento à vista ou no prazo acordado entre as partes pode ter sido justamente o fator determinante na celebração do contrato com este e não com qualquer outro devedor.

Dessa forma, salvo na hipótese de convenção das partes nesse sentido ou de mera liberalidade do credor, o parcelamento não pode ser imposto judicialmente. Em outras palavras, nem o devedor e nem o Estado-Juiz podem impor ao credor parcelamento não convencionado no contrato, o que configuraria, nesse último caso, indevida intervenção estatal na economia privada, passível de macular a atuação estatal de inconstitucionalidade. Isso porque a Constituição da República garante a liberdade das partes no caput do art. 5º do seu texto – o que, na seara contratual, vai se revelar na autonomia privada -, bem como garante a livre iniciativa dos particulares no caput do art. 170 e, ainda, proíbe a interferência direta do Estado na atividade econômica a não ser em hipóteses excepcionais previstas em lei, tal como consta do caput do art. 173.

Em suma, julgar procedente em parte o pedido na ação de consignação em pagamento em razão do depósito insuficiente significa impor ao credor parcelamento não convencionado entre as partes, o que tecnicamente nos parece bastante incorreto. Eventual decisão nesse sentido viola direta e expressamente o art. 337 do Código Civil de 2002 e o art. 891 do Código de Processo Civil, razão pela qual se torna possível o seu controle por meio de recurso especial. Além disso, o parcelamento imposto por decisão judicial importa em indevida interferência do Estado na economia dos contratos e inquina a decisão de manifesta inconstitucionalidade, passível de controle na via do recurso extraordinário por ofensa ao art. 5°, caput, ao art. 170, caput, e ao art. 173, caput, todos da Constituição da República.

Em seguida, André Luís Monteiro, invocando as lições de Sérgio Bermudes, Adroaldo Furtado Fabrício, Luiz Rodrigues Wambier, Flavio Renato Correia de Almeida, Eduardo Talami e Antonio Carlos Marcato, trata da possibilidade de liberação parcial do autor, com o levantamento pelo credor da parte incontroversa consignada, esclarecendo porque tal circunstância não implica a procedência parcial do pedido:

4.3. A redação dos §§ 1º e 2º do art. 899 do Código de Processo Civil de 1973 não significa que o pedido do autor deva ser julgado parcialmente procedente no caso de insuficiência do depósito.

Conforme se observou das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, o entendimento segundo o qual a insuficiência do depósito levaria à prolação de sentença de parcial procedência está embasado, principalmente, na interpretação dos §§ 1º e 2º do art. 899 do estatuto processual civil da década de 1970, acrescidos pela Lei n 8.951/94. O primeiro dispositivo dispõe que “alegada a insuficiência do depósito, poderá o réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa depositada, com a conseqüente liberação parcial do autor, prosseguindo o processo quanto à parcela controvertida”, sendo certo que o segundo dispositivo prevê que “a sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos”.

Partindo da letra da lei, em alguns acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, se tem entendido que “a insuficiência do depósito autoriza a liberação parcial do devedor e permite ao credor levantar o numerário oferecido”, razão pela qual isso “transforma a ação consignatória na via mais adequada para a definição dos créditos”, bem como que “culmina por entregar ao credor um título executivo e permite que, sem novo processo, obtenha a sua execução”. Em conclusão, consoante consta nessas decisões, “a ação consignatória é em parte procedente, naquilo em que o depósito serviu para a liberação parcial do devedor, em parte improcedente, quanto ao débito que remanesce e ficou reconhecido na sentença”. Com o devido respeito às opiniões em contrário, essa, além de tudo o quanto já se disse, não parece ser a melhor interpretação.

Segundo nos parece, quando o § 1º do art. 899 aduz que “poderá o réu levantar, desde logo, a quantia ou a coisa depositada, com a conseqüente liberação parcial do autor”, o dispositivo quer operar efeitos no plano material, no sentido de que aquele valor levantado, e somente e exatamente aquele valor levantado, não poderá ser posteriormente perseguido em execução pelo credor, sob pena de configuração de enriquecimento sem causa de sua parte. E óbvio que o levantamento da quantia depositada importa em quitação dentro do processo, mas isso em nada afeta a insuficiência do depósito, a justeza da recusa do credor e a impossibilidade de prolação de sentença que reconheça algum efeito de pagamento àquela quantia não integral anteriormente oferecida.

Em outras palavras, a liberação do devedor, de que fala o dispositivo, é apenas um limite a que em execução não se pretenda cobra-lá novamente. Essa liberação parcial, realizada dentro do processo, não transforma uma recusa justa em recusa injusta, razão pela qual não pode afetar o resultado do processo, cujo ponto nodal é justamente esse. Essa liberação parcial, realizada depois do surgimento da lide, não cria a inexistente figura da recusa parcialmente justa ou da recusa parcialmente injusta, conforme se teria de entender, por razões lógicas, caso se decidisse pela procedência parcial do pedido na ação consignatória. Enfim, o § 1º do art. 899 do diploma processual civil não autoriza o juiz a prolatar sentença de parcial procedência no caso de depósito insuficiente.

No que diz respeito ao § 2º do art. 899, segundo o qual “a sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinará, sempre que possível, o montante devido, e, neste caso, valerá como título executivo, facultado ao credor promover-lhe a execução nos mesmos autos”, também ele não serve de fundamento para justificar a procedência parcial do pedido na ação de consignação em pagamento diante de depósito insuficiente. O dispositivo apenas quer significar que, possível a identificação da quantia restante, o juiz deve determiná-la de maneira a permitir a execução do decisum nessa parte, sem que fosse necessário submeter a sentença à liquidação ou, pior ainda, sem que fosse necessário submeter o credor ao ônus de ingressar com nova ação, desta vez de conteúdo condenatório. Ressalte-se, ademais, que o julgamento de improcedência do pedido em nada obstaria o reconhecimento do valor remanescente e a sua execução nos mesmos autos pelo credor.

Em razão do exposto, consideramos que a insuficiência do depósito na ação de consignação em pagamento, mesmo após a edição da Lei n. 8.951/94, gera a improcedência do pedido, pois, no final das contas, significa o reconhecimento de que a recusa do credor em receber foi justa. E, conforme leciona Arruda Alvim, “se foi justa, e, consequentemente, se por esta razão não se puder falar em mora accipiendi deste (ou seja, o credor deixou de receber o que lhe foi ofertado, como pagamento, justificadamente ou com razão), disso se deve seguir que a ação de consignação em pagamento não deve prosperar. Observe-se, ademais, que o entendimento pela parcial procedência no caso de depósito insuficiente significa que nunca haverá prolação de sentença de improcedência na ação consignatória, pois o devedor sempre haverá de depositar algo, sob pena de extinção do processo sem resolução de mérito. Não nos parece ter sido essa a intenção do legislador ao reformar o diploma processual.

Tratando da matéria após a vigência da referida lei, Sérgio Bermudes, com inteira razão, leciona que “a sentença que concluir pela insuficiência do depósito, seja porque a quantia depositada ficou aquém da devida, seja porque a coisa oferecida não bastava para configurar a prestação, julgará improcedente o pedido, mesmo que o réu haja procedido ao levantamento previsto no §1º”. O autor continua esclarecendo que “a improcedência decorre do fato de que o pedido da consignatória é de extinção da obrigação, que não se pode considerar cumprida senão mediante a integral prestação correspondente”. Também assim, Adroaldo Furtado Fabrício, fazendo menção a especificação do valor da diferença na sentença, aduz que “estabelecendo-o ou não estará ipso facto condenando o autor da consignatória ao pagamento da diferença, além de proclamar a improcedência da consignatória”.

Adotando o mesmo entendimento, Luiz Rodrigues Wambier, Flavio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini lecionam que “concluindo-se que, efetivamente, o depósito foi insuficiente (ou seja, o réu tinha razão), a sentença não mais apenas julgará improcedente a consignação, mas, sempre que possível, determinará qual o montante devido, que valerá como título executivo, estando o réu autorizado, no mesmo processo, a executar a parcela não levantada, e reconhecida como devida na sentença”. E ainda nesse mesmo sentido, Antonio Carlos Marcato esclarece que “uma vez reconhecida judicialmente a sua não integralidade, estará demonstrada a correção da conduta do réu ao recusá-lo, nos moldes em que foi efetivado pelo autor, circunstância suficiente, por si só, para ensejar a rejeição do pedido consignatório”.

Diante do exposto, eventual decisão que, a pretexto de interpretar os §§ 1º e 2º do art. 899 do Código de Processo Civil de 1973, venha a entender que a insuficiência do depósito na ação de consignação em pagamento leva ã parcial procedência do pedido, estará, na verdade, violando os mencionados dispositivos de lei, razão pela qual será possível o controle da decisão judicial por meio de recurso especial, bastando que se prequestione as matérias nas instâncias ordinárias”.

(ob. cit. pp. 44/58)

No minucioso estudo transcrito foram mencionados precedentes do STJ, que corroboram com parte dos pontos versados, incluídos alguns dos a seguir citados:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. CONTESTAÇÃO INTEMPESTIVA. EFEITOS DA REVELIA NÃO INCIDENTES. ART. 897, DO CPC, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 8.951/94. RELATIVIZAÇÃO DOS EFEITOS DA REVELIA. CONSIGNATÓRIA IMPROCEDENTE. CONVERSÃO EM RENDA EM FAVOR DO CONSIGNADO. ART. (…) 899, § 1º, DO CPC. MANUTENÇÃO DO ARESTO RECORRIDO.

2. “Na ação de consignação em pagamento, quando decretada a revelia, não será compulsória a procedência do pedido se os elementos probatórios constantes nos autos conduzirem à conclusão diversa ou não forem suficientes para formar o convencimento do juiz (…)” (REsp 769.468/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/11/2005, DJ 06/03/2006 p. 386)

3. A reforma do Código de Processo Civil engendrada em 1994 introduziu o § 1º no art. 899, possibilitando o levantamento, pelo consignado, das quantias depositadas, quando alegada em contestação a insuficiência do depósito. Trata-se de faculdade do credor, independentemente de concordância por parte do consignante.

4. “A lei inovou corajosamente na disciplina da ação de consignação em pagamento, também para autorizar ao réu o levantamento imediato do valor depositado. Diz que o processo prosseguirá ‘quanto à parcela controvertida’, o que significa que prosseguirá para converter em integral essa parcial exoneração obtida pelo autor quando feito o levantamento (art. 899, § 1º) ou para condená-lo a pagar a diferença que houver. Essa valiosíssima inovação inclui-se no contexto de um processo que não é mais encarado unilateralmente como arma de um dos litigantes contra o outro, mas como instrumento para dar tutela a quem tiver direito. Se o réu-credor nada alega além de insuficiência do crédito, a única divergência possível entre ele e o autor é sobre se o crédito se reduz àquilo que foi depositado ou se é maior. No mínimo, ele terá direito ao valor do depósito.(Cândido Rangel Dinamarco, in “A Reforma do Código de Processo Civil”. São Paulo, Malheiros, 5ª ed., p. 275/276).

5. Revela-se ilícito ao devedor valer-se de consignação em pagamento, ação de efeitos meramente declaratórios, após reconhecida a improcedência do pedido pretender levantar a quantia que ele próprio afirmara dever.

6. Julgado improcedente o pedido consignatório, convertida em favor do demandado a quantia incontroversa, a quitação parcial produzirá os seus efeitos no plano do direito material, e, sob o ângulo processual, impedirá a repropositura pelo todo, admitindo a acionabilidade pelo resíduo não convertido.

7. Raciocínio inverso infirmaria a ratio essendi do § 1º do art. 899 do CPC, fundado em razão de Justiça, equidade e economia processual, no sentido de que visa preservar o direito daquele que realmente o possui. (Precedentes: REsp 472389/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, DJ de 01/04/2008; REsp 886823/DF, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, DJ de 25/06/2007; REsp 568552/GO, Rel. Ministro LUIZ FUX, DJ de 28/03/2005; REsp 515976/GO, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 17/12/2004; REsp 659779/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVAZCKI, DJ de 27/09/2004; REsp 90.166/RS, Rel. Ministro. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ de 18/11/1996; REsp 27.949/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de 16/10/1995).

8. Recurso especial desprovido. (sem negrito no original)

(Primeira Turma, REsp 984.897/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX, unânime, DJe de 2.12.2009)

PROCESSO CIVIL. SFH. CONSIGNATÓRIA EM PAGAMENTO. INSUFICIÊNCIA DO DEPÓSITO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

I – A ação consignatória em pagamento é manejada pelo devedor buscando obter um pronunciamento, ao final do processo, no sentido de que a dívida em discussão está quitada. O sujeito passivo da obrigação propõe essa ação quando em um dado momento da execução do contrato diverge do credor acerca do quantum da prestação devida, recusando-se este a receber o que o devedor entende devido como quitação total.

II – Com as inovações introduzidas na legislação processual, no âmbito do procedimento da consignatória, passou-se a permitir que o credor levante a parcela incontroversa da dívida, devendo a sentença que concluir pela insuficiência do depósito fixar, quando possível, o montante devido, valendo como título executivo (art. 899, §§ 1º e 2º, do CPC).

III – Cria-se uma imprecisão técnica proferir uma decisão, a pretexto de se aplicarem as novidades citadas, julgando procedente em parte o pedido da consignatória e ao mesmo tempo declarando insatisfatório o depósito efetuado pelo autor, porquanto o propósito dessa espécie de demanda é justamente a quitação total da prestação.

IV – Não demonstrada a suficiência do depósito efetuado pelo autor na ação consignatória em pagamento, imperioso é o julgamento improcedente do pedido. Precedente: REsp nº 389.308/RS, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 12/05/03.

V – Tal posição não gera nenhuma incongruência com os novos parágrafos do art. 899 do CPC, haja vista que, entendendo pela insuficiência do depósito, o juiz deve julgar improcedente o pleito, não havendo óbice para que também reconheça a quitação parcial da dívida e, ainda, fixe o montante devido, que servirá de título executivo para o credor.

VI – Recurso especial provido. (sem negrito no original)

(Primeira Turma, REsp 674.973/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, unânime, DJU de 19.12.2005)

Ação de consignação em pagamento. Insuficiência do depósito. Julgamento de improcedência. Art. 899, § 2°, do Código de Processo Civil.

1. Comprovado pelo Juiz que os depósitos feitos foram insuficientes, ainda que considerados os cálculos apresentados pelos próprios autores, o resultado é de improcedência da consignatória, não havendo motivo algum para determinar a aplicação do art. 899, § 2°, do Código de Processo Civil, levando-se em conta ser do interesse do credor a identificação do montante devido para fins de execução nos mesmos autos.

2. Recurso especial conhecido e provido. (sem negrito no original)

(Terceira Turma, REsp 598.617/MS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, unânime, DJU de 26.9.2005)

PROCESSO CIVIL – AÇÃO CONSIGNATÓRIA – SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO – INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC – INSUFICIÊNCIA DO DEPÓSITO – IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO – INFRINGÊNCIA AO ART. 21 DO CPC.

1. Se o Tribunal partiu da premissa de que havia controvérsia quanto ao critério de reajuste, pois da contestação concluiu que o agente financeiro estava aplicando o BTN, descabia apreciar tese em torno do art. 2º da Lei 8.100/90, no sentido de que o mutuário deveria comprovar seus rendimentos junto ao agente financeiro e não o fez.

2. Examinada a tese da sucumbência, inexiste omissão quanto ao art. 21 do CPC.

3. Inexistência de violação ao art. 535 do CPC.

4. Se comprovada a insuficiência do depósito, a ação deve ser julgada improcedente e o ônus da sucumbência imputado ao autor.

5. Recurso especial provido em parte. (sem negrito no original)

(Segunda Turma, REsp 389.308/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, unânime, DJU de 12.5.2003)

Considero, portanto, que quando, como no caso dos autos, o depósito não foi integral, a solução imposta pelo ordenamento jurídico – Código Civil e Código de Processo Civil – é o julgamento de improcedência do pedido consignatório, como corretamente decidido pelo TJDFT.

VI

Caso superado, todavia, o entendimento do acórdão distrital, que confirmou a sentença de improcedência do pedido deduzido na consignatória, ainda que se persista na compreensão de que a oferta de valor insuficiente possibilita a procedência parcial da consignatória, tenho que a ausência do requisito essencial da mora accipiendi – pela inexistência de depósito do valor devido, e, portanto, a consequente legalidade da recusa do credor – implica devam ser carreados com exclusividade ao autor os consectários da sucumbência em virtude do princípio da causalidade.

Tal entendimento tem por base a jurisprudência desta Corte, segundo a qual a responsabilidade pelo pagamento de honorários e custas deve ser fixada com base na sucumbência e no princípio da causalidade, segundo o qual a parte que deu causa à instauração do processo deve suportar as despesas dele decorrentes.

Confiram-se os seguintes exemplos:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. JUROS. RUBRICA ACESSÓRIA. PRESCRIÇÃO. INCIDÊNCIA DO PRAZO DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL. FIXAÇÃO DOS HONORÁRIOS. SUCUMBÊNCIA E PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. MODIFICAÇÃO. DECORRÊNCIA LÓGICA DO JULGADO. OFENSA À COISA JULGADA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.

(…)

2. A responsabilidade pelo pagamento de honorários e custas deve ser fixada com base na sucumbência e no princípio da causalidade, segundo o qual a parte que deu causa à instauração do processo deve suportar as despesas dele decorrentes.

(…)

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Quarta Turma, AgRg no AREsp 38.930/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, DJe de 30.3.2015)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. 2. AFRONTA AOS ARTS. 20 E 26 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NÃO VERIFICADA. CONCLUSÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM DE QUE A AGRAVANTE DEU CAUSA À INSTAURAÇÃO DA AÇÃO, EM QUE PESE A DESISTÊNCIA DO FEITO PELO AGRAVADO/AUTOR. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. PRECEDENTES. INVERSÃO DO JULGADO. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. 3. RECURSO IMPROVIDO.

(…)

2. “No processo civil, para se aferir qual das partes litigantes arcará com o pagamento dos honorários advocatícios e custas processuais, deve-se atentar não somente à sucumbência, mas também ao princípio da causalidade, segundo o qual a parte que deu causa à instauração do processo deve suportar as despesas dele decorrentes” (REsp n. 1.223.332/SP, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 15/8/2014). Na espécie, entendeu a Corte de origem, motivadamente e após minuciosa análise do caso concreto e das provas contidas nos autos, que a agravante foi quem deu causa à propositura da demanda, o que atrai o princípio da causalidade e impõe a ela o dever de arcar com as despesas do processo e com os honorários advocatícios. Ademais, inverter a conclusão fática alcançada pelo Tribunal de origem no sentido de que a agravante provocou o ajuizamento da ação encontra óbice no enunciado n. 7 da Súmula desta Corte.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Terceira Turma, AgRg no AREsp 604.325/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe de 25.2.2015)

Esse princípio inspirou o entendimento compendiado no enunciado 303 da Súmula deste Tribunal: “Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios.”

Com efeito, no caso em apreciação, foi julgada improcedente a pretensão, deduzida na ação revisional, de alterar as cláusulas do contrato bancário para limitar os juros remuneratórios em 12% ao ano, dentre outras alterações pretendidas pelo autor.

Nenhuma ilegalidade foi encontrada nos encargos cobrados na fase de normalidade contratual. O valor da prestação ajustada no contrato de mútuo não foi alterado. A procedência parcial da ação revisional deu-se apenas para afastar a possibilidade de cumulação de comissão de permanência com juros e multa contratual na fase de inadimplência.

O depósito parcial não foi hábil, portanto, à quitação da dívida, o que levou à sentença de improcedência da consignatória.

Na hipótese dos autos, sequer se poderia alegar que a sentença de parcial procedência da ação revisional tivesse levado à descaracterização da mora, pois, nos termos da Orientação 2 firmada no julgamento do REsp. 1.061.530/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, “não descarateriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual.”

Tem-se, portanto, que o autor, formulando pretensão revisional improcedente, postergou o adimplemento da obrigação, valendo-se da ação consignatória para impor, injustamente, ao credor o recebimento parcial da prestação devida, cabendo-lhe, portanto, responder pelos ônus da sucumbência, em face do princípio da causalidade.

VII

Em face do exposto, com a maxima vênia, proponho, para os efeitos dos arts. 927 e 1.036 a 1.041 do CPC, a fixação da seguinte tese, com a redação sugerida pela Ministra Nancy Andrighi:

“Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional” .

Em relação ao caso concreto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

VOTO-VISTA

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:

Cuida-se de recurso especial submetido ao rito dos recursos repetitivos cuja controvérsia afetada diz respeito aos “efeitos da insuficiência do depósito ofertado em ação de consignação em pagamento”.

Voto do e. Min. Relator: propõe a tese de que, “na ação de consignação em pagamento, a insuficiência do depósito não conduz à improcedência do pedido, mas sim à extinção parcial da obrigação até o montante da importância consignada, acarretando o reconhecimento da sucumbência recíproca, devendo a sentença que concluir pela insuficiência do depósito determinar, sempre que possível, o montante devido que valerá como título executivo, ainda que para tanto seja necessária a revisão de cláusulas contratuais”.

Voto divergente proferido pela e. Min. Maria Isabel Gallotti: propõe a tese de que “somente o depósito integral da dívida vencida conduz à procedência do pedido em ação de consignação em pagamento. O depósito insuficiente justiça a recusa do credor, ensejando a improcedência do pedido consignatório. Quando levantado pelo credor, produz o efeito material de liberação parcial do devedor, impedindo a execução pelo todo”.

Pedi vista dos autos para melhor exame da questão controvertida.

REVISADOS OS FATOS, DECIDE-SE.

A razão da existência da ação de consignação em pagamento no ordenamento jurídico é conferir ao devedor um instrumento que lhe permita alcançar, pela via judicial, a liberação de um vínculo obrigacional em face de alguma situação a ele não imputável, tal como a recusa injustificada do credor em receber o pagamento devido.

A finalidade precípua da consignatória não é discutir o valor de alguma dívida – embora tal questão possa surgir no curso da ação –, mas sim a viabilidade do desfazimento da relação jurídica de direito material, com a consequente exoneração do devedor da obrigação contratada.

Trata-se de modalidade de extinção das obrigações mediante pagamento indireto, definida nos seguintes termos pelo saudoso Min. Teori Zavascki:

O depósito em consignação é modo de extinção da obrigação, com força de pagamento, e a correspondente ação consignatória tem por finalidade ver atendido o direito – material – do devedor de liberar-se da obrigação e de obter quitação. Trata-se de ação eminentemente declaratória: declara-se que o depósito oferecido liberou o autor da respectiva obrigação. (REsp 505.460/RS, 1ª Turma, DJ 10/05/2004)

Há duas soluções passíveis de serem conferidas à ação de consignação em pagamento: (i) o juiz reconhece, em sentença, que o depósito efetivado pelo devedor se afigura suficiente para obter a pretensão objetivada – exoneração da obrigação – e julga procedente o pedido; ou (ii) como decorrência lógica da insuficiência do depósito, reconhece em sentença que o vínculo obrigacional permanece existente e, assim, julga improcedente o pedido liberatório.

O fato de o devedor estar dispensado de pagar ao credor a quantia depositada (art. 899, § 1º, do CPC/73) não significa que a consignação de parte da dívida deva resultar na procedência parcial do pedido, pois, como visto, o objeto da ação é a extinção da obrigação – o desfazimento do vínculo entre as partes –, situação que somente é alcançada com a liquidação integral do débito.

Vale destacar que o credor não é obrigado a aceitar o pagamento em termos diversos daqueles originalmente pactuados (arts. 313 e 314 do CC/02), de modo que, na hipótese de ser-lhe oferecido valor que não corresponda ao montante integral do crédito, a sua recusa ao recebimento é justa.

E, reconhecida a justiça da recusa, a consignatória ajuizada sob esse fundamento não atende ao requisito legal expressamente exigido para a hipótese – que tenha havido recusa sem justa causa (art. 335, I, do CC/02) –, o que conduz, inexoravelmente, ao julgamento de improcedência do pedido liberatório.

Conforme lição de ANTONIO CARLOS MARCATO, “caso reconhecida judicialmente, no final, a não integralidade do depósito, estará demonstrada a correção da conduta do réu ao recusá-lo nos moldes em que foi efetivado pelo autor, circunstância suficiente, por si só, para ensejar a rejeição do pedido consignatório” (Procedimentos Especiais, 16ª ed., p. 100).

Não se pode falar, portanto, também sob esse vértice, que o depósito a menor resulte na procedência parcial da pretensão deduzida, pois a consequência prevista no ordenamento jurídico para o caso de o autor da ação não comprovar o fato constitutivo do direito alegado (na espécie, a recusa injustificada) é o julgamento em favor da parte adversa.

Por derradeiro, cumpre consignar que, na hipótese de esta 2ª Seção superar o posicionamento aqui defendido, deixo registrado que acompanho a divergência no que concerne à sujeição exclusiva do devedor ao pagamento dos honorários advocatícios e das custas processuais.

Isso porque, mesmo que se entenda que o depósito insuficiente enseja a procedência parcial do pedido consignatório, não se pode olvidar que a atitude do credor que se recusa a receber o pagamento de forma diversa da contratada é legítima, revelando que a ele não se pode imputar a causa do ajuizamento da ação.

À vista do princípio da causalidade, portanto, deve o autor suportar os ônus decorrentes da sucumbência.

FORTE NESSAS RAZÕES, rogando vênia ao e. Min. Relator, ACOMPANHO AS CONCLUSÕES alcançadas pela e. Min. Maria Isabel Gallotti em seu voto divergente.

Proponho, todavia, que a tese seja fixada nos seguintes termos:

Em ação consignatória, a insuficiência do depósito realizado pelo devedor conduz ao julgamento de improcedência do pedido, pois o pagamento parcial da dívida não extingue o vínculo obrigacional.

No que concerne à hipótese concreta, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.108.058 – Distrito Federal – 2ª Seção – Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região) – DJ 23.10.2018

 

Fonte: INR Publicações