fbpx

STJ – A impossibilidade de penhora dos valores recebidos pelo beneficiário do seguro de vida limita-se ao montante de 40 (quarenta) salários mínimos, por aplicação analógica do art. 649, X, do CPC/1973, cabendo a constrição judicial da quantia que a exceder

0 Comentários

RECURSO ESPECIAL Nº 1.361.354 – RS (2013/0001673-4)

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

RECORRENTE : VERA BEATRIZ BRASIL MELLO

ADVOGADOS : ALEXANDRE REZENDE MELANI – RS045155

GUILHERME BOTELHO DE OLIVEIRA E OUTRO(S) – RS058591

RECORRIDO : RITTER ENGENHARIA INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA

ADVOGADOS : JIMMY BARIANI KOCH – RS050783

DENNIS BARIANI KOCH – RS045602

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. ART. 649, IX, DO CPC/1973. EXECUÇÃO. INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. NATUREZA ALIMENTAR. IMPENHORABILIDADE. 40 (QUARENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS. ART. 649, X, DO CPC/1973. LIMITAÇÃO.

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

2. Cinge-se a controvérsia a determinar se é possível a penhora da indenização recebida pelo beneficiário do seguro de vida em execução voltada contra si.

3. A impenhorabilidade do seguro de vida objetiva proteger o respectivo beneficiário, haja a vista a natureza alimentar da indenização securitária.

4. A impossibilidade de penhora dos valores recebidos pelo beneficiário do seguro de vida limita-se ao montante de 40 (quarenta) salários mínimos, por aplicação analógica do art. 649, X, do CPC/1973, cabendo a constrição judicial da quantia que a exceder.

5. Recurso especial parcialmente provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Moura Ribeiro, dando parcial provimento ao recurso especial, no que retificou seu voto o Sr. Ministro Relator, acolhendo esse posicionamento, decide a Terceira Turma, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze (Presidente), Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 22 de maio de 2018(Data do Julgamento)

Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por VERA BEATRIZ BRASIL MELLO, com fundamento no art. 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assim ementado:

AGRAVO. NEGATIVA DE SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO MEDIANTE DECISÃO MONOCRÁTICA. AÇÃO DE EXECUÇÃO. PENHORA QUE RECAIU SOBRE VALORES EM CONTA-CORRENTE ADVINDOS DE PRÊMIO DE SEGURO DE VIDA. TRATANDO-SE DE PRÊMIO AUFERIDO PELO BENEFICIÁRIO, EM VIRTUDE DE SEGURO DE VIDA, TAIS VALORES SÃO ABSOLUTAMENTE IMPENHORÁVEIS, NÃO IMPORTANDO SE INTEGRAM OU NÃO INTEGRAM O PATRIMÔNIO JURÍDICO DA PESSOA BENEFICIADA. ART. 649, INC. IX, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. PRECEDENTES. NEGADO PROVIMENTO ” (fls. 67-73 e-STJ).

No recurso especial (fls. 78-87 e-STJ), a recorrente indica violação do art. 649, inciso VI, do Código de Processo Civil de 1973, além de divergência jurisprudencial.

Alega que a legislação protege apenas a expectativa do direito ao recebimento da indenização decorrente do seguro de vida, não os valores recebidos pelo beneficiário após a morte do segurado (aproximadamente R$ 40.000,00 – quarenta mil reais).

Acrescenta que “está sendo penhorado não é o seguro de vida, mas sim o benefício dele advindo, ou seja, a indenização paga pela seguradora ao beneficiário, não se confundindo com o seguro propriamente dito e protegido pela lei de impenhorabilidade” (fl. 83 e-STJ).

Afirma que inexiste a regra de impenhorabilidade do seguro de vida quando a indenização é incorporada ao patrimônio do beneficiário.

Com as contrarrazões (fls. 97-105 e-STJ), o tribunal de origem admitiu o processamento do recurso especial (fls. 107-109 e-STJ).

Ao apresentar o seu voto originário, esta relatoria deu provimento ao recurso especial para permitir a penhora dos valores amealhados a título de indenização securitária pela beneficiária indicada na apólice.

Após, pediu vista o Ministro Moura Ribeiro, que instaurou a divergência e deu parcial provimento ao recurso especial para limitar o montante impenhorável em 40 (quarenta) salários mínimos do benefício auferido a título de seguro de vida.

Em seguida, esta relatoria retificou o seu entendimento originário para aderir ao voto divergente, no qual foi acompanhado, por unanimidade, pelos demais integrantes da Terceira Turma desta Corte.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): A irresignação merece prosperar.

O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).

Cinge-se a controvérsia a determinar se é possível a penhora da indenização recebida pelo beneficiário do seguro de vida em execução voltada contra si.

1. Histórico

VERA BEATRIZ BRASIL MELLO (ora recorrente) interpôs agravo de instrumento contra a decisão do magistrado de primeiro grau que determinou o levantamento da penhora dos valores depositados em conta-corrente de NEUZA LOPES DE AGUIAR RITTER, supostamente advindo de recebimento de indenização decorrente de seguro de vida.

O relator, em decisão unipessoal, negou seguimento ao recurso sob o fundamento de que os valores contidos em conta-corrente são absolutamente impenhoráveis, pois derivam de prêmio auferido pelo beneficiário em virtude de seguro de vida (fls. 51-55 e-STJ).

Interposto agravo interno (fls. 62-65 e-STJ), o tribunal de origem manteve a decisão agravada, nos termos do seguinte excerto:

“Compulsando este instrumento, verifico que a Sr.a Neuza Lopes de Aguiar Ritter era casada com o Sr. Pedro Paulo Ritter, já falecido, e, também, que é sócia da Ritter Engenharia Indústria e Comercio Ltda., ora agravada.; Pelo que constam dos documentos juntados ao presente instrumento, de fato a Sra Neuza foi beneficiária de seguro de vida feito pelo ‘de cujus’, na importância de R$ 40.745,02, conforme consta do documento de fl. 41, bem como percebeu o prêmio, através de depósito, em sua conta-corrente, conforme extrato de fls. 42.

Logo, tratando-se de prêmio auferido pelo beneficiário, em virtude de seguro de vida, tenho que tais valores são absolutamente impenhoráveis, não importando se integram ou não integram o patrimônio jurídico da pessoa beneficiada, porém, se os valores recebidos converterem-se em bens, e sendo estes penhoráveis, poderão ser constritos judicialmente e, por ventura, alienados para quitação do débito” (fls. 67-73 e-STJ – grifou-se).

Feitos esses esclarecimentos, passa-se à análise do recurso especial.

2. Da violação do art. 649, VI do CPC/1973 – penhorabilidade da indenização recebida pelo beneficiário do seguro de vida

No voto originário, esta relatoria deu provimento ao recurso especial para permitir a penhora dos valores amealhados a título de indenização securitária pela beneficiária indicada na apólice, tendo sido adotadas as seguintes conclusões:

(i) a partir da interpretação conjunta dos arts. 649, VI, do Código de Processo Civil de 1973 e 794 do Código Civil de 2002 e com base nos princípios que regem a execução, a melhor exegese é no sentido de que, após a morte do segurado, a indenização será, em regra, um bem passível de penhora em execução promovida contra o beneficiário;

(ii) a indenização auferida com o seguro de vida pode se tornar impenhorável se for comprovado pelo beneficiário (executado) que os valores são necessários à sua subsistência e à de sua família, haja vista o disposto no inciso IV do art. 649 do CPC/1973 quando trata de “quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família”, e

(iii) a demonstração da eventual natureza alimentar da indenização securitária cabe ao executado (beneficiário) por ser fato impeditivo da incidência ou manutenção da penhora.

Todavia, instaurando a divergência, o voto-vista proferido pelo Ministro Moura Ribeiro deu parcial provimento ao recurso especial para limitar o montante impenhorável em 40 (quarenta) salários mínimos do benefício auferido a título de seguro de vida, utilizando-se dos seguintes fundamentos abaixo sintetizados:

(i) “há de prevalecer o direito do beneficiário do seguro de vida sobre o direito do credor, de modo a preservar o mínimo necessário à sua sobrevivência” ;

(ii) “A finalidade do seguro de vida é proporcionar um rendimento a alguém, não o deixando à míngua de recursos. (…) A razão da impenhorabilidade, portanto, está no caráter alimentar do benefício ” (grifou-se);

(iii) “A natureza alimentar da indenização recebida pelo beneficiário do seguro de vida foi presumida pelo legislador, constituindo-se em projeção futura em prol do sustento e subsistência do beneficiário, razão por que conferiu a impenhorabilidade de tal benefício “;

(iv) “A impenhorabilidade estabelecida em favor do beneficiário, portanto, deve corresponder à finalidade do seguro de vida, que é criar um fundo alimentar, prospectivo e resguardado, e não se traduzir em mais um meio para pagamento de dívidas ” (grifou-se);

(v) “Ao invés de imputar ao beneficiário do seguro o ônus de provar sua condição socio-econômica para aferir a natureza alimentar da indenização, sugiro a adoção de um patamar fixo (…) para limitar o montante impenhorável em 40 (quarenta) salários mínimo”, por aplicação analógica do art. 649, X, do CPC/1973. A quantia que a exceder poderá ser utilizada para saldar os débitos dos credores do beneficiário do seguro (grifou-se), e

(vi) “Ressalte-se que a natureza alimentar da indenização recebida com o seguro de vida se assemelha às verbas salariais do art. 649, IV, do CPC/73, que destaca serem impenhoráveis ‘as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família” (original com grifos).

Após os debates, esta relatoria acompanhou o percuciente voto do Ministro Moura Ribeiro para reconhecer a impenhorabilidade dos valores recebidos pelo beneficiário do seguro de vida até o montante de 40 (quarenta) salários mínimos, por aplicação analógica do art. 649, X, do CPC/1973, cabendo a constrição judicial da quantia que a exceder.

3. Do dispositivo

Ante o exposto, adiro ao voto-vista proferido pelo Ministro Moura Ribeiro para dar parcial provimento do recurso especial e limitar o montante impenhorável em 40 (quarenta) salários mínimos do benefício recebido a título de seguro de vida.

Descabida a fixação de honorários advocatícios, haja vista que não foi arbitrada a verba na origem.

É como voto.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO MOURA RIBEIRO:

Após o voto do Relator, Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, pedi vista dos autos para melhor analisar a questão da possibilidade de penhora da indenização recebida pelo beneficiário do seguro de vida em execução voltada contra ele.

O art. 649, VI, do CPC/73, dispõe que é absolutamente impenhorável o seguro de vida.

O art. 794 do CC/02 preceitua que no seguro de vida ou de acidentes pessoais para o caso de morte, o capital estipulado não está sujeito às dívidas do segurado, nem se considera herança para todos os efeitos de direito.

O eminente Relator, após analisar a doutrina e a jurisprudência sobre o tema, buscou conciliar as posições divergentes para concluir que a indenização auferida pelo beneficiário do seguro de vida não é protegida pela regra da impenhorabilidade, salvo se ficar demonstrado que tais valores são necessários à sua subsistência e à de sua família. Para tanto, partiu do pressuposto de que a penhorabilidade é a regra, devendo as normas sobre a impenhorabilidade ser interpretadas restritivamente.

É certo que as exceções à regra da penhorabilidade merecem interpretação restritiva, porém, no caso do seguro de vida, penso que a impenhorabilidade é expressa.

A impenhorabilidade legalmente instituída no art. 649, VI, do CPC/73, que corresponde ao art. 833, VI, do NCPC, objetivou favorecer o beneficiário do seguro, indicado na apólice, e não o seu estipulante, conhecido como segurado, porquanto o capital indenizatório não compõe e nunca comporá o patrimônio deste último, nos termos do disposto no art. 794 do CC/02.

O direito do beneficiário, ocorrido o sinistro (a morte do segurado), é autônomo, nascido do contrato, sem ingresso no patrimônio do estipulante. Donde a exegese do art. 794 do CC/02, que deixa clara a intangibilidade do capital segurado.

As regras de impenhorabilidade de determinados bens e direitos visam criar freios na busca da satisfação do exequente no processo de execução, mantendo-se a mínima dignidade humana do executado.

A ampla proteção do direito fundamental da dignidade da pessoa humana é mais do que uma meta constitucional, é também um norte hermenêutico. As normas, quer constitucionais, quer infraconstitucionais, devem ser interpretadas no sentido que lhes dê a maior amplitude.

Segundo LUIS GUILHERME MARINONI e DANIEL MITIDIERO, as impenhorabilidades são erigidas como uma densificação infraconstitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB) (Código de Processo Civil comentado Artigo por Artigo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2011, p. 655).

A garantia de que alguns bens não sejam objeto de expropriação judicial é o modo do legislador preservar a pessoa do executado, colocando-se, nesses casos, sua dignidade humana em patamar superior à satisfação do direito do exequente. Assim, há de prevalecer o direito do beneficiário do seguro de vida sobre o direito do credor, de modo a preservar o mínimo necessário à sua sobrevivência digna.

A finalidade do seguro de vida é proporcionar um rendimento a alguém, não o deixando à míngua de recursos. Normalmente se relaciona a uma fonte de segurança para a família, sendo objeto de atenção do respectivo arrimo, preocupado em amparar, em suprir aos seus entes quando faltar. A razão da impenhorabilidade, portanto, está no caráter alimentar do benefício.

A hipótese dos autos é um exemplo típico daquilo que se deve resguardar: a dívida cobrada se refere a obrigações da sociedade empresária, que teve sua personalidade jurídica desconsiderada para incluir no polo passivo os sócios da empresa executada. O segurado, marido da beneficiária, faleceu, deixando para ela, uma idosa, à época, de 84 anos, um valor de seguro de vida pouco significativo (R$ 40.745,02).

A natureza alimentar da indenização recebida pelo beneficiário do seguro de vida foi presumida pelo legislador, constituindo-se em projeção futura em prol do sustento e subsistência do beneficiário, razão por que conferiu a impenhorabilidade de tal benefício, equiparando-o a outros meios necessários ao mínimo existencial do executado, como é o caso dos incisos IV e X do CPC/73:

Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

[…]

IV – os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo;

[…]

X – até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança.

JORGE AMERICANO, ao comentar o art. 942, XIV, do Decreto-lei nº 1.608/1939 (CPC/39), que já previa a impenhorabilidade do seguro de vida, ressaltou que a mens legis é no sentido de proteger o direito do beneficiário, já que a finalidade do seguro de vida é criar um fundo alimentar para o beneficiário:

Art. 942, XIV – A exigibilidade do seguro só existe quando se verifica a condição. Assim, o seguro exigível não pertence ao segurado, mas ao beneficiário. Em consequência, a penhora em cobrança de débitos do segurado é impossível.

Seria inútil que a lei estabelecesse a impenhorabilidade a benefício do segurado, porque “a soma estipulada como benefício está sujeita às obrigações ou dívidas do seguro” (Código Civil, art. 1475). Assim, a impenhorabilidade do nº XIV é estabelecida a favor do beneficiário. A interpretação de Amilcar de Castro, de que ela é só a benefício do segurado não satisfaz, porque, ‘existindo ou não a impenhorabilidade, a solução seria a mesma. O seguro, não estando no seu patrimônio, não poderia ser penhorado por suas dívidas, solução que não assenta na impenhorabilidade, mas na própria natureza deste instituto. A impenhorabilidade, estabelecida no nº XIV, a favor do beneficiário, corresponde, isto sim, à finalidade do seguro, que é criar um fundo alimentar para o beneficiário, e não um meio de pagamento de suas dívidas. (Comentários ao Código do Processo Civil. São Paulo: Ed. Livraria Acadêmica – Saraiva & Cia. 1943, 4º vol., p. 253 – sem destaques no original).

A doutrina atual de DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, ao comentar o art. 833, VI, do NCPC, encampa o posicionamento do doutrinador do CPC/39:

O seguro de vida se presta a criar em favor do beneficiado um fundo alimentar, sendo decorrência dessa natureza a sua impenhorabilidade. Dessa forma, não é naturalmente o seguro de vida em si impenhorável, que na realidade nem valor patrimonial tem, mas sim a importância em dinheiro proveniente de tal espécie de contrato na hipótese de falecimento do seguro.

Nesse caso a impenhorabilidade jamais prejudicará os credores ao desfalcar o patrimônio do falecido porque o seguro de vida não é herança, não chegando a fazer parte do patrimônio do de cujus.

Essa realidade, inclusive, só torna o dispositivo legal se a proteção legal se estender a dívidas do beneficiado do seguro, que terá o valor recebido considerado impenhorável por considerar-se que ele servirá para sua subsistência, o que empresta tal valor alimentar. (Novo Código de Processo Civil Comentado Artigo por Artigo. Salvador: Ed. Juspodivm. 2018, 3ª edição revista e atualizada, p. 1.381).

No mesmo sentido é a doutrina de ALEXANDRE FREITAS CÂMARA:

O inciso VI do art. 649 considera absolutamente impenhorável o “seguro de vida”. O que se quer dizer com isso é que, falecendo o segurado, a indenização paga ao beneficiário do seguro não poderá ser penhorada, nem para garantir dívidas do segurado, nem para as dívidas do beneficiário. É bom recordar que o seguro de vida é uma estipulação em favor de terceiro , já que a seguradora jamais pagará qualquer quantia ao segurado. O segurado, nesta espécie de contrato de seguro, paga à seguradora o prêmio, e – no caso de falecer – a seguradora pagará o valor do seguro a um beneficiário escolhido pelo segurado. É preciso, assim, que a execução tenha sido ajuizada em face do beneficiário, para que se pudesse cogitar da penhora daquele valor por ele percebido, e que passa a integrar seu patrimônio. Pouco importa, porém, a origem da dívida do beneficiário do seguro, tenha ela sido originariamente do segurado ou não, a quantia recebida em razão do contrato de seguro de vida é absolutamente impenhorável. (Lições de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas. 2012, 21ª edição, vol. 2, p. 314).

Outros doutrinadores de escol também defendem a impenhorabilidade da verba recebida pelo beneficiário do seguro de vida: TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, MARIA LÚCIA LINS CONCEIÇÃO, LEONARDO FERRES DA SILVA RIBEIRO, ROGÉRIO LICASTRO TORRES DE MELLO, na obra Novo Código de Processo Civil Artigo por Artigo, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 2016, p. 1.311; HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, na obra Curso de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Ed. Forense. 48ª edição, 2013, p. 294; e, MARCELO ABELHA, na obra Manual de Execução Civil, Rio de Janeiro: Ed. Forense. 6ª edição, 2016, p. 127.

A posição contrária, conforme mencionado pelo Relator, que tem como seu maior expoente PONTES DE MIRANDA, argumenta que a regra da impenhorabilidade incide enquanto o seguro de vida for uma expectativa do direito, se referindo ao direito expectativo do beneficiário caso ele sobreviva ao segurado.

No entanto, se o objetivo do legislador foi o de salvaguardar o beneficiário do seguro de vida, com uma verba de fundo alimentar, pouco sentido prático haveria em somente se considerar impenhorável a mera expectativa do direito do beneficiário ao recebimento da verba, quando se sabe que esse direito apenas se concretizará com o efetivo recebimento do benefício previsto no seguro de vida.

A impenhorabilidade estabelecida em favor do beneficiário, portanto, deve corresponder à finalidade do seguro de vida, que é criar um fundo alimentar, prospectivo e resguardado, e não se traduzir em mais um meio para pagamento de dívidas.

Feitas essas observações sobre a corrente doutrinária que entendo melhor refletir a intenção do legislador, penso que pode ser adotada posição intermediária, porém, não casuística, como sugerido pelo Relator, preservando a impenhorabilidade de parcela do benefício.

Ao invés de imputar ao beneficiário do seguro o ônus de provar sua condição sócio-econômica para aferir a natureza alimentar da indenização, sugiro a adoção de um patamar fixo, aplicando-se por analogia o art. 649, X, do CPC/73 (art. 833, X, do NCPC), para limitar o montante impenhorável em 40 (quarenta) salários mínimos. A quantia que a exceder poderá ser utilizada para saldar os débitos dos credores do beneficiário do seguro.

Adota-se, desse modo, critério que o próprio legislador estabeleceu sobre o montante que considera razoável e suficiente para assegurar uma vida digna, conforme precedente desta Terceira Turma (REsp 1.452.204/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, j. 1/12/2016, DJe 13/12/2016).

No mesmo sentido:

PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. EMBARGOS DO DEVEDOR. REVISÃO. CONTRATO. POSSIBILIDADE. VERBA ALIMENTAR, DEPÓSITO EM CADERNETA DE POUPANÇA E OUTRAS APLICAÇÕES FINANCEIRAS. PENHORABILIDADE. LIMITES.

1. Admite-se a revisão de contratos, inclusive aqueles objeto de confissão de dívida, em sede de embargos à execução. Precedentes.

2. Valores caracterizados como verbas alimentares somente manterão essa condição enquanto destinadas ao sustento do devedor e sua família, ou seja, enquanto se prestarem ao atendimento das necessidades básicas do devedor e seus dependentes. Na hipótese do provento de índole salarial se mostrar, ao final do período – isto é, até o recebimento de novo provento de igual natureza – superior ao custo necessário ao sustento do titular e seus familiares, essa sobra perde o caráter alimentício e passa a ser uma reserva ou economia, tornando-se, em princípio, penhorável.

3. Valores até o limite de 40 salários mínimos, aplicados em caderneta de poupança, são impenhoráveis, nos termos do art. 649, X, do CPC, que cria uma espécie de ficção legal, fazendo presumir que o montante assume função de segurança alimentícia pessoal e familiar. O benefício recai exclusivamente sobre a caderneta de poupança, de baixo risco e retorno, visando à proteção do pequeno investimento, voltada à garantia do titular e sua família contra imprevistos, como desemprego ou doença.

4. O art. 649, X, do CPC, não admite intepretação extensiva, de modo a abarcar outras modalidades de aplicação financeira, de maior risco e rentabilidade, que não detêm o caráter alimentício da caderneta de poupança, sendo voltados para valores mais expressivos e/ou menos comprometidos, destacados daqueles vinculados à subsistência mensal do titular e sua família. Essas aplicações visam necessidades e interesses de menor preeminência (ainda que de elevada importância), como aquisição de bens duráveis, inclusive imóveis, ou uma previdência informal (não oficial) de longo prazo. Mesmo aplicações em poupança em valor mais elevado perdem o caráter alimentício, tanto que o benefício da impenhorabilidade foi limitado a 40 salários mínimos e o próprio Fundo Garantidor de Crédito assegura proteção apenas até o limite de R$70.000,00 por pessoa.

5. Essa sistemática legal não ignora a existência de pessoas cuja remuneração possui periodicidade e valor incertos, como é o caso de autônomos e comissionados. Esses podem ter que sobreviver por vários meses com uma verba, de natureza alimentar, recebida de uma única vez, sendo justo e razoável que apliquem o dinheiro para resguardarem-se das perdas inflacionárias. Todavia, a proteção legal conferida às verbas de natureza alimentar impõe que, para manterem essa natureza, sejam aplicadas em caderneta de poupança, até o limite de 40 salários mínimos, o que permite ao titular e sua família uma subsistência digna por um prazo razoável de tempo.

6. Valores mais expressivos, superiores aos 40 salários mínimos, não foram contemplados pela impenhorabilidade fixada pelo legislador, até para que possam, efetivamente, vir a ser objeto de constrição, impedindo que o devedor abuse do benefício legal, escudando-se na proteção conferida às verbas de natureza alimentar para se esquivar do cumprimento de suas obrigações, a despeito de possuir condição financeira para tanto. O que se quis assegurar com a impenhorabilidade de verbas alimentares foi a sobrevivência digna do devedor e não a manutenção de um padrão de vida acima das suas condições, às custas do devedor.

7. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1.330.567/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, j. 16/5/2013, DJe 27/5/2013 – sem destaques no original)

A Segunda Seção desta Corte firmou o entendimento que os valores até o limite de 40 salários mínimos, aplicados em caderneta de poupança, são impenhoráveis, nos termos do art. 649, X, do CPC/73 (art. 833, X, do NCPC), o que cria uma espécie de ficção legal, fazendo presumir que o montante assume função de segurança alimentícia pessoal e familiar. Confira-se:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PENHORA DE SALÁRIO. ALCANCE. APLICAÇÃO FINANCEIRA. LIMITE DE IMPENHORABILIDADE DO VALOR CORRESPONDENTE A 40 (QUARENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS.

1. A Segunda Seção pacificou o entendimento de que a remuneração protegida pela regra da impenhorabilidade é a última percebida – a do último mês vencido – e, mesmo assim, sem poder ultrapassar o teto constitucional referente à remuneração de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Após esse período, eventuais sobras perdem tal proteção.

2. É possível ao devedor poupar valores sob a regra da impenhorabilidade no patamar de até quarenta salários mínimos, não apenas aqueles depositados em cadernetas de poupança, mas também em conta-corrente ou em fundos de investimento, ou guardados em papel-moeda.

3. Admite-se, para alcançar o patamar de quarenta salários mínimos, que o valor incida em mais de uma aplicação financeira, desde que respeitado tal limite.

4. Embargos de divergência conhecidos e providos.

(EREsp 1.330.567/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Segunda Seção, j. 10/12/2014, DJe 19/12/2014 – sem destaque no original)

Esse entendimento pode ser estendido ao seguro de vida, uma vez que seu benefício também visa resguardar a segurança alimentícia pessoal e familiar.

A regra da impenhorabilidade é relativizada, permitindo-se, assim, a satisfação, ainda que parcial do credor, sem comprometer a sobrevivência do devedor e de sua família.

A relativização da regra da impenhorabilidade vem sendo admitida por esta Corte Superior quanto às verbas salariais previstas no art. 649, IV, do CPC/73:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE PERCENTUAL DE SALÁRIO. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE.

1. Ação ajuizada em 25/05/2015. Recurso especial concluso ao gabinete em 25/08/2016. Julgamento: CPC/73.

2. O propósito recursal é definir se, na hipótese, é possível a penhora de 30% (trinta por cento) do salário do recorrente para o pagamento de dívida de natureza não alimentar.

3. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. Precedentes.

4. Na espécie, em tendo a Corte local expressamente reconhecido que a constrição de percentual de salário do recorrente não comprometeria a sua subsistência digna, inviável mostra-se a alteração do julgado, uma vez que, para tal mister, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, inviável a esta Corte em virtude do óbice da Súmula 7/STJ.

5. Recurso especial conhecido e não provido.

(REsp 1.658.069/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, j. 14/11/2017, DJe 20/11/2017 – sem destaques no original)

RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE VALORES EM CONTA SALÁRIO. EXCEPCIONAL POSSIBILIDADE. QUESTÃO A SER SOPESADA COM BASE NA TEORIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL.

1. Controvérsia em torno da possibilidade de serem penhorados valores depositados na conta salário do executado, que percebe remuneração mensal de elevado montante.

2. A regra geral da impenhorabilidade dos valores depositados na conta bancária em que o executado recebe a sua remuneração, situação abarcada pelo art. 649, IV, do CPC/73, pode ser excepcionada quando o montante do bloqueio se revele razoável em relação à remuneração por ele percebida, não afrontando a dignidade ou a subsistência do devedor e de sua família.

3. Caso concreto em que a penhora revelou-se razoável ao ser cotejada com o valor dos vencimentos do executado.

4. Doutrina e jurisprudência acerca da questão.

5. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

(REsp 1.514.931/DF, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Terceira Turma, j. 25/10/2016, DJe 6/12/2016 – sem destaques no original)

Ressalte-se que a natureza alimentar da indenização recebida com o seguro de vida se assemelha às verbas salarias do art. 649, IV, do CPC/73, que destaca serem impenhoráveis as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família.

Uma última consideração merece ser feita sobre a alternativa de se limitar o valor do seguro de vida a um percentual, como ocorre nos precedentes em que se discute a possibilidade de penhora de verba salarial. Em que pese a possibilidade de se adotar tal alternativa, para tanto seria necessária a análise dos fatos concretos, o que somente corroboraria para atrasar a entrega da prestação jurisdicional.

Nessas condições, rogando vênia ao Relator, cujo voto traz brilhante e bem fundamentada posição jurídica, ouso dele divergir para DAR PARCIALPROVIMENTO ao recurso especial para limitar o montante impenhorável em 40 (quarenta) salários mínimos do benefício auferido a título de seguro de vida, aplicando-se por analogia o disposto no art. 649, X, do CPC/73, descabida a fixação de honorários.

É o voto.

Dados do processo: 

STJ – REsp nº 1.361.354 – Rio Grande do Sul – 3ª Turma – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJ 25.06.2018