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Recurso Especial – Ação condenatória – Cessão e transferência de direitos decorrentes de implantação de reflorestamento – Dação em pagamento do imóvel sem cláusula que dispusesse acerca da propriedade da cobertura vegetal lenhosa – Tribunal a quo que manteve a sentença de improcedência – Insurgência da autora – Reclamo desprovido

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Cinge-se a controvérsia em definir: a) qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, ou seja, se é ou não considerada acessório da terra nua e b) se, na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação – 1. Violação ao art. 535 do CPC/1973 não configurada. O Tribunal a quo dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional – 2. Conforme consta dos artigos 79 e 92 do Código Civil, salvo expressa disposição em contrário, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel, pois acessórios do principal, motivo pelo qual, em regra, a acessão artificial recebe a mesma classificação/natureza jurídica do terreno sobre o qual é plantada – 2.1 No entanto, essa classificação legal pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, sendo viável transmudar a sua natureza jurídica para bem móvel por antecipação, cuja peculiaridade reside na vontade humana de mobilizar a coisa em função da finalidade econômica – 2.2 Desta forma, em que pese seja viável conceber a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, a depender da vontade das partes, como bem móvel por antecipação, no caso, consoante estabelecido no artigo 287 do Código Civil, essa classificação não salvaguarda a pretensão da autora, pois é inviável a esta Corte Superior, ante os óbices das Súmulas 5 e 7/STJ, promover o reenfrentamento do acervo fático-probatório dos autos com vistas a concluir de maneira diversa das instâncias ordinárias acerca dos sucessivos negócios jurídicos entabulados relativamente ao imóvel rural e as cláusulas e condições de referidos ajustes. Ademais, diante da presunção legal de que o acessório segue o principal e em virtude da ausência de anotação/observação quando da dação em pagamento acerca das árvores plantadas sobre o terreno, há que se concluir que essas foram transferidas juntamente com a terra nua – 3. Transferido por escritura pública de dação em pagamento o imóvel e as plantações pela empresa cedente já em 1983, resta ineficaz a cessão de direitos realizada por essa ao autor em 2004, pois nessa ocasião não mais detinha os direitos objeto da transmissão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização – 4. Recurso especial desprovido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)

RECURSO ESPECIAL Nº 1.567.479 – PR (2011/0271419-1)

RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI

RECORRENTE : IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL

ADVOGADO : LUIZ GUILHERME BITTENCOURT MARINONI E OUTRO(S) – PR013073

ADVOGADOS : HELENA DE TOLEDO COELHO – PR024661

GILSON JOAO GOULART JUNIOR – PR036950

FERNANDO MUNHOZ RIBEIRO – PR035025

MARCEL KESSELRING FERREIRA DA COSTA – PR032679

THIAGO MOURÃO DE ARAUJO – PR042152

NASTASSIA LYRA IURK DA SILVA – PR064683

RECORRIDO : KLABIN S/A

ADVOGADO : SEBASTIAO MARIA MARTINS NETO – PR014978

EMENTA

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CONDENATÓRIA – CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS DECORRENTES DE IMPLANTAÇÃO DE REFLORESTAMENTO – DAÇÃO EM PAGAMENTO DO IMÓVEL SEM CLÁUSULA QUE DISPUSESSE ACERCA DA PROPRIEDADE DA COBERTURA VEGETAL LENHOSA – TRIBUNAL A QUO QUE MANTEVE A SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA – INSURGÊNCIA DA AUTORA – RECLAMO DESPROVIDO.

Cinge-se a controvérsia em definir: a) qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, ou seja, se é ou não considerada acessório da terra nua e b) se, na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação.

1. Violação ao art. 535 do CPC/1973 não configurada. O Tribunal a quo dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.

2. Conforme consta dos artigos 79 e 92 do Código Civil, salvo expressa disposição em contrário, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel, pois acessórios do principal, motivo pelo qual, em regra, a acessão artificial recebe a mesma classificação/natureza jurídica do terreno sobre o qual é plantada.

2.1 No entanto, essa classificação legal pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, sendo viável transmudar a sua natureza jurídica para bem móvel por antecipação, cuja peculiaridade reside na vontade humana de mobilizar a coisa em função da finalidade econômica.

2.2 Desta forma, em que pese seja viável conceber a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, a depender da vontade das partes, como bem móvel por antecipação, no caso, consoante estabelecido no artigo 287 do Código Civil, essa classificação não salvaguarda a pretensão da autora, pois é inviável a esta Corte Superior, ante os óbices das Súmulas 5 e 7/STJ, promover o reenfrentamento do acervo fático-probatório dos autos com vistas a concluir de maneira diversa das instâncias ordinárias acerca dos sucessivos negócios jurídicos entabulados relativamente ao imóvel rural e as cláusulas e condições de referidos ajustes.

Ademais, diante da presunção legal de que o acessório segue o principal e em virtude da ausência de anotação/observação quando da dação em pagamento acerca das árvores plantadas sobre o terreno, há que se concluir que essas foram transferidas juntamente com a terra nua.

3. Transferido por escritura pública de dação em pagamento o imóvel e as plantações pela empresa cedente já em 1983, resta ineficaz a cessão de direitos realizada por essa ao autor em 2004, pois nessa ocasião não mais detinha os direitos objeto da transmissão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização.

4. Recurso especial desprovido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Dr(a). Luiz Guilherme Bittencourt Marinoni, pela parte Recorrente: IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL

Brasília (DF), 11 de junho de 2019 (Data do Julgamento)

MINISTRO MARCO BUZZI

Relator

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL LTDA S/C, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c” da Constituição federal, em desafio a acórdão proferido em apelação cível pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Na origem, a ora recorrente ajuizou ação condenatória em face de KLABIN S/A, aduzindo, em síntese, ser cessionária dos direitos de que trata a escritura pública que a cedente REFLORIL EMPREENDIMENTOS FLORESTAIS LTDA afirmava possuir, por ter implementado os projetos de reflorestamento denominados Refloril IV e V, no ano de 1970, no imóvel Areia Preta, matriculado no Cartório de Registro de Imóveis de Reserva sob o nº 2894.

A então demandante informou que o reflorestamento de árvores de pinus ssp fora realizado em 727,20 hectares na forma de condomínio florestal, o qual teve a subscrição física de moeda oriunda de incentivos fiscais por parte de inúmeros investidores representados por contrato de cessão de terras e execução florestal. Ressalta, ainda, ter ficado estabelecido no contrato para a execução dos trabalhos, que após o 4º desbaste estimativo, previsto para o 20º ano da assinatura do ajuste, haveria um remanescente de 500 árvores por hectare.

Depreende-se, também, da petição inicial, que em 24/03/1983 REFLORIL transferiu por dação em pagamento à sua então diretora CLEUZA GUILARDI ZONARI, exclusivamente o imóvel no qual foram implantados os projetos Refloril IV e V, restando mantidos os reflorestamentos e preservados os respectivos condomínios florestais de propriedade dos condôminos investidores originários.

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL LTDA S/C, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c” da Constituição federal, em desafio a acórdão proferido em apelação cível pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Na origem, a ora recorrente ajuizou ação condenatória em face de KLABIN S/A, aduzindo, em síntese, ser cessionária dos direitos de que trata a escritura pública que a cedente REFLORIL EMPREENDIMENTOS FLORESTAIS LTDA afirmava possuir, por ter implementado os projetos de reflorestamento denominados Refloril IV e V, no ano de 1970, no imóvel Areia Preta, matriculado no Cartório de Registro de Imóveis de Reserva sob o nº 2894.

A então demandante informou que o reflorestamento de árvores de pinus ssp fora realizado em 727,20 hectares na forma de condomínio florestal, o qual teve a subscrição física de moeda oriunda de incentivos fiscais por parte de inúmeros investidores representados por contrato de cessão de terras e execução florestal. Ressalta, ainda, ter ficado estabelecido no contrato para a execução dos trabalhos, que após o 4º desbaste estimativo, previsto para o 20º ano da assinatura do ajuste, haveria um remanescente de 500 árvores por hectare.

Depreende-se, também, da petição inicial, que em 24/03/1983 REFLORIL transferiu por dação em pagamento à sua então diretora CLEUZA GUILARDI ZONARI, exclusivamente o imóvel no qual foram implantados os projetos Refloril IV e V, restando mantidos os reflorestamentos e preservados os respectivos condomínios florestais de propriedade dos condôminos investidores originários.

Narra a autora, ainda, que na data de 14/02/1989, CLEUZA vendeu o imóvel juntamente com as florestas e projetos de reflorestamento implantados por sobre a área à empresa ré KLABIN DO PARANÁ AGRO FLORESTAL S/A, atual KLABIN S/A, a qual procedeu ao corte raso das árvores de propriedade da Refloril.

Pleiteia o ressarcimento contemporâneo, ou seja, o equivalente a 150.000 árvores de pinus ssp face a inexistência de árvores remanescentes do projeto de reflorestamento.

Em sede de contestação, a demandada sustentou a idoneidade da aquisição imobiliária ante o desaparecimento do condomínio face a consolidação da propriedade exclusiva com a ré, não tendo praticado qualquer ilícito ao promover o corte raso da floresta remanescente. Afirmou, por fim, que a autora é litigante de má-fé em virtude de não ser cessionária de qualquer direito descrito na referida escritura pública de cessão e transferência, pois a pessoa que a subscreveu em nome da Refloril não mais era seu representante legal.

Na sentença, o magistrado julgou improcedente o pedido sob a assertiva de que “a Escritura Pública de Cessão e Transferência de Direito, Vantagens e Obrigações (fls. 19/20) foi lavrada quando a cedente Refloril Empreedimentos Florestais Ltda. não mais detinha os direitos relativos aos 20% das árvores remanescentes de pinus ssp, de sorte que efeito algum produziu por se tratar de verdadeira venda a non domino“.

Concluiu, ainda, o magistrado, que o imóvel rural no qual fora implementado o projeto de reflorestamento foi transferido à CLEUZA GUILARDI ZONARI em 24/03/1983, sem qualquer ressalva quanto às árvores ali existentes, a indicar que a dação em pagamento englobou o terreno e suas plantações, em razão do acessório seguir o principal.

Opostos aclaratórios, esses foram rejeitados (fl. 1245).

Interposto o recurso de apelação, o Tribunal a quo desproveu o reclamo nos termos da seguinte ementa:

APELAÇÃO CIVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE DIREITOS – IMPLANTAÇÃO DE REFLORESTAMENTO – DAÇÃO EM PAGAMENTO DO TERRENO – AUSÊNCIA DE CLÁUSULA QUE DISPUSESSE SOBRE A PROPRIEDADE DAS ÁRVORES QUE INTEGRAVAM O REFLORESTAMENTO – VENDA A NON DOMINI – RECURSO DESPROVIDO POR MAIORIA.

Alienado o imóvel e as plantações pela empresa Refloril já em 24/03/1983, ineficaz a cessão de direitos realizada por esta ao autor em 22/04/2004, quando não mais detinha os direitos objeto da cessão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização.

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados pelo acórdão de fls. 1350-1353.

Nas razões do recurso especial (fls. 1357-1400), alega a insurgente, além de dissídio jurisprudencial, violação aos artigos 535 do CPC/73, 79, 82, 287, 1232 e 1369 do Código Civil/2002. Sustenta, em síntese:

a) negativa de prestação jurisdicional em razão de obscuridade existente no julgado, haja vista que é incontroverso dos autos que a demandada KLABIN S/A promoveu o corte raso das árvores em data posterior à transferência ocorrida em 24/03/1983, sendo falsa a premissa utilizada pelo Tribunal a quo ao asseverar que “não mais existiam as árvores objeto dos contratos”;

b) era desnecessário que a REFLORIL tivesse ressalvado os direitos sobre as árvores para que não seguissem junto com a transferência da terra nua, pois os vegetais lenhosos destinados ao corte, ou seja, de destinação certa de comercialização em separado, constituem bens móveis por antecipação, não sendo aplicável a premissa de que o acessório segue o principal;

c) inocorrente a alegada venda a non domino, pois a transferência do imóvel da Refloril para a sua ex-sócia CLEUZA ZONARI não englobou as árvores de reflrorestamento;

d) a REFLORIL (cedente) não só autorizou o estabelecimento de condomínio florestal como o implantou, mantendo para si como remuneração, através dos contratos particulares de condomínio florestal, as árvores existentes após o 4° desbaste previsto para o 20° ano depois da assinatura dos ajustes;

e) embora a REFLORIL tenha dado em pagamento a terra nua, não transferiu as árvores, tanto que essas foram objeto da cessão de direitos operada por essa com a insurgente no ano de 2004, devidamente registrada em cartório.

Contrarrazões às fls. 1418-1430.

Inadmitido o reclamo na origem, adveio agravo (art. 544 do CPC/73) visando destrancar a insurgência, ao qual este signatário deu provimento (decisão de fls. 1477-1478) e determinou a sua conversão em recurso especial para melhor análise da controvérsia.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

O reclamo não merece acolhida.

Cinge-se a controvérsia em definir: a) frente às circunstâncias do caso concreto, qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, ou seja, se há de ser considerada acessório da terra nua e b) se, na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação.

1. Inicialmente, no tocante à preliminar de negativa de prestação jurisdicional, não merece acolhida a irresignação, porquanto é cediço nesta Corte Superior que os embargos de declaração se destinam a suprir eventual vício existente na deliberação judicial, não necessitando o órgão julgador manifestar-se expressamente acerca de todas as disposições legais que as partes entendam aplicáveis, embora deva motivar suas decisões, expondo os fundamentos do seu livre convencimento.

Segundo a insurgente, a violação ao artigo 535 do CPC/73 teria ocorrido porquanto a Corte local deixou de corrigir erro de fato/premissa, afeto à informação de que a recorrida KLABIN S/A teria adquirido o imóvel quando não mais havia o número total de árvores implantadas pelo projeto de reflorestamento, uma vez que a REFLORIL (cedente) já teria procedido aos cortes nos anos de 1981, 1982 e 1987.

Relativamente ao ponto, o acórdão recorrido foi expresso ao asseverar, com vasta fundamentação, inclusive amparada no acervo fático-probatório dos autos que, quando da venda do imóvel operada por CLEUZA ZONARI à empresa KLABIN S/A o quantitativo de árvores referidas nos contratos originários da implantação do reflorestamento não mais existia, pois teria havido intercorrências no plantio que ensejaram a redução da área plantada, e a cobertura vegetal lenhosa efetivamente cultivada teria sido objeto de corte pela própria REFLORIL nos anos acima referidos.

Confira-se, por oportuno, o trecho do julgado:

Frise-se ainda que não mais existiam as árvores objeto dos contratos, quando houve a venda do imóvel. Isto porque antes de serem vendidas para a Klabin, a Refloril promoveu o corte; também porque ocorreram deficiências no plantio e houve a redução das árvores. O IBAMA, em informações técnicas apresentadas ao Juízo da Justiça Federal, atesta a redução da área plantada nos projetos Refloril IV e V. Com o esmo parecer técnico junta documentos que certifica ter o IBAMA autorizado a Refloril a proceder planos de corte em 1981, 1982 e 987, portanto, antes da venda para a Klabin.

Como se vê, o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, apreciando integralmente a controvérsia posta nos autos, não se podendo, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.

Nesse sentido: EDcl no Ag 749.349/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2018, DJe 14/08/2018; AgInt no REsp 1716263/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/08/2018, DJe 14/08/2018; AgInt no AREsp 1241784/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe 27/06/2018.

Ressalte-se, também, no pertinente ao assunto ora em debate, que ante o óbice da súmula 7/STJ é vedado a esta Corte Superior incursionar nas provas constantes dos autos para averiguar acerca da alegada ocorrência de erro de fato/premissa referido pela insurgente, motivo pelo qual eventual equívoco do acórdão, relativamente à matéria de fato, não pode ser corrigido pela via do recurso especial.

2. Quanto ao mérito, para o deslinde da questão controvertida, afigura-se impresdincível, de início, tecer breve comentário acerca do histórico pertinente ao reflorestamento no Brasil, bem como externar o concatenamento cronológico dos fatos reputados incontroversos atinentes à causa, para, a posteriori, estabelecer qual a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte e objeto dos projetos de implantação do reflorestamento.

2.1 O caso concreto tem seu nascedouro em projetos de reflorestamento (Refloril IV e V) implementados no imóvel Areia Preta (matrícula nº 2894), localizado no Município de Reserva – PR. O reflorestamento, em linhas gerais, constitui uma ação ambiental visando repovoar áreas que tiveram a vegetação removida pelas forças da natureza ou ações humanas, a denotar, em princípio, que a finalidade primordial é reimplantar ao solo, ainda que artificialmente, aquilo que foi dele removido. No entanto, a prática não se dá apenas com a finalidade precípua de minimização dos impactos ambientais via reintegração da vegetação nativa degradada (reflorestamento ecológico), podendo, também, a escolha da cobertura vegetal a ser implantada servir aos propósitos comerciais.

A prática de reflorestamento no Brasil não é nova. O primeiro Código Florestal (Decreto nº 23.793), foi lançado em 1934 no propósito de enfrentar os desmatamentos realizados em decorrência da extração de madeira. Com o advento do Código Florestal seguinte, Lei nº 4.771 de 15 de setembro de 1965, houve uma mudança significativa no manejo das florestas e demais formas de vegetação, em razão de terem sido reconhecidas de utilidade às terras que revestem e, portanto, bens de interesse comum a todos os habitantes do País. Nessa, as ações e omissões decorrentes da utilização e exploração das florestas realizada em contrariedade às disposições da referida legislação foi considerada como uso nocivo da propriedade. O mencionado regramento visou, em síntese, minimizar os impactos ao meio ambiente, tendo o poder público, inclusive, estimulado o reflorestamento via incentivos fiscais.

Segundo estudiosos da matéria, no período de 1967 a 1986, foram concedidos incentivos fiscais ao reflorestamento, que ensejaram o crescimento da área reflorestada de 1967 a 1979. Tais estímulos foram adquirindo volume, sem limitação regional para o plantio de florestas, até final da década de 70, a partir de quando se verifica diminuição do fomento e, consequentemente, decréscimo da área reflorestada. Não obstante, em 2000, o Brasil ainda se mantinha como o sexto maior país, no mundo, em termos de território reflorestado, a denotar que apesar das fraudes e plantações mal sucedidas, houve significativa expansão das superfícies recuperadas, em que pese os motivos para o reflorestamento perpassarem, quase que necessariamente, pelo fator econômico da conduta de minimização dos impactos ambientais. (SCIENTIA FORESTALIS, n. 66, p. 191-203, dez. 2004)

2.2 Feita essa breve digressão, segundo afirma a insurgente na exordial, os projetos de reflorestamento (Refloril IV e V) foram implementados na década de 1970, com árvores de pinus ssp e contaram com a faculdade de isenção tributária instituída na Lei 5.106/66, que dispunha sobre os incentivos fiscais concedidos a empreendimentos florestais. Por meio de “contrato de cessão de terras e execução florestal” firmado entre a empresa REFLORIL EMPREENDIMENTOS FLORESTAIS LTDA e os investidores, aquela fora contratada para promover o reflorestamento da área, tendo estipulado que, a título de pagamento, após o 4º desbaste estimativo previsto para o 20º ano da assinatura do contrato, teria o direito ao remanescente de 500 árvores por hectare.

Após a implantação dos projetos de reflorestamento, e antes de findo o prazo de vinte anos firmado nos “contratos de cessão de terras e execução florestal”, a contratada REFLORIL adquiriu, por via não perquirida pelos julgadores ordinários nesta demanda, as participações dos investidores dos citados projetos relativamente ao imóvel objeto da matrícula nº 2894.

Em 1983, a empresa REFLORIL, mediante escritura pública de dação em pagamento, transferiu – sem ressalvar as árvores ou os projetos de reflorestamento – a propriedade do imóvel objeto da matrícula nº 2894 a CLEUZA GUILARDI ZONARI, essa que, em 1981, havia se retirado dos quadros da sociedade da empresa inicialmente formada por ela e o marido Sinésio Zonari.

No ano de 1989, CLEUZA GUILARDI ZONARI vendeu o referido imóvel à empresa KLABIN DO PARANÁ AGRO FLORESTAL S/A, atual KLABIN S/A.

Aos 22/04/2004, a empresa REFLORIL EMPREENDIMENTOS FLORESTAIS LTDA, no ato representada por Raul Fernandes da Silva, por meio de escritura pública de cessão de direitos e vantagens, transferiu à autora IJK 15 ENGENHARIA FLORESTAL LTDA S/C, “todos os direitos e vantagens que possui sobre os 20% (vinte por cento) das árvores remanescentes de pinus ssp, implantadas na área de reflorestamento denominado REFLORIL – SECÇÃO IV, (…) implantada no imóvel localizado no lugar denominado Areia Preta, Município de Reserva no Estado do Paraná, matrícula nº 2894 da Serventia Registral da Comarca de Reserva – PR, no plano de corte raso e rotação final (…), o residual de 300,00 hectares, que deve ter 150.000 árvores de pinus ssp (500 árvores por hectare)”.

Ressalte-se que, desde a data de 25 de setembro de 2000, o referido representante Raul Fernandes da Silva teria se retirado dos quadros da sociedade, nos termos da alteração contratual de fls. 173-174.

Eis o quadro fático e cronológico pertinente ao feito.

2.3 Antes, porém, de adentrar na análise do tema propriamente dito, pontua-se que, apesar dos fatos originários da causa datarem de momento anterior à entrada em vigor do Código Civil de 2002, a denotar que a averiguação judicial poderia ter sido embasada nos ditames legislativos do diploma civilista revogado de 1916, certo é que a demanda foi examinada à luz das disposições normativas do Código Civil de 2002 em razão de a cessão de direitos alegadamente operada entre a REFLORIL e a autora datar de 2004.

Ainda, preliminarmente, é curial tecer breve comentário sobre o direito de propriedade, especificamente sobre uma das formas de aquisição da propriedade imobiliária, a acessão.

Pois bem, como sabido, à propriedade o sistema jurídico pátrio atribuiu o mais amplo dos direitos reais, que pode ser conceituado como um instituto complexo, ao qual se vinculam as faculdades de usar, gozar, dispor e reivindicar a coisa, sendo que as únicas limitações impostas ao titular relacionam-se à supremacia do interesse público e a coexistência do direito de outros titulares.

A acessão é um modo originário de adquisição da propriedade, em virtude do qual fica pertencendo ao titular tudo quanto se une ou se incorpora ao bem, o que pode ocorrer em duas modalidades: a natural, que se dá quando a união ou incorporação advém de acontecimento da natureza, como a formação de ilhas, o aluvião, a avulsão e o abandono de álveo; e a artificial, resultante do trabalho do homem, como no caso das construções e plantações, hipótese dos autos.

Ressalta-se que, nesse contexto, surgiu o direito de superfície, novidade jurídica implementada pelo legislador civil de 2002 visando contribuir para a formulação de uma nova política de uso racional e socialmente adequado do solo urbano e rural. Esse instituto, apesar de ter sido mencionado pelo Tribunal a quo para corroborar a fundamentação do julgado no tocante à necessidade de ressalva acerca da propriedade das árvores, não será abordado nessa oportunidade em razão dos projetos de implantação do reflorestamento Refloril IV e V datarem de 1970 e da dação em pagamento ter ocorrido em 1983, época, como cediço, em que o referido espeque do direito de superfície inexistia.

Nos termos da legislação em vigor (art. 1.253 do Código Civil), toda construção ou plantação existente em um terreno presume-se feita pelo proprietário e às suas custas até prova em contrário.

No caso, essa presunção foi elidida em razão de ser incontroverso dos autos que a empresa REFLORIL (cedente) foi contratada para a prestação de serviços de reflorestamento, mediante “contratos de cessão de terras e execução florestal”, tendo implantado na modalidade de condomínio florestal os projetos Refloril IV e V, junto ao imóvel matriculado sob o nº 2894, perante o Registro de Imóveis de Reserva, para que os investidores obtivessem os benefícios da Lei nº 5.106/1966. Restou estabelecido, no ajuste entabulado, que a título de pagamento pelos serviços de reflorestamento, ficaria de propriedade da contratada o remanescente das árvores após o 4º desbaste estimativo, previsto para o 20º ano da assinatura do ajuste, fixado esse remanescente em 500 árvores por hectare. Assim, em princípio, a acessão artificial realizada não se perfectibilizou às expensas do proprietário, visto que, a título de pagamento, ante o condomínio florestal, os investidores promoveram o pagamento dos serviços, ainda que a REFLORIL adquirisse a propriedade única e exclusiva das árvores após o 4º desbaste estimativo.

Salienta-se, no ponto, mais uma vez que, após a implantação dos projetos de reflorestamento, e antes de ultimado o prazo vintenário previsto nos “contratos de cessão de terras e execução florestal”, a contratada REFLORIL adquiriu, por via não perquirida pelos julgadores ordinários nesta demanda, as participações dos investidores dos citados projetos relativamente ao imóvel objeto da matrícula nº 2894, ficando extinto o condomínio florestal.

É irrefragável, também, que em 24/03/1983, o imóvel rural (matrícula nº 2894) em que fora implementado o projeto de reflorestamento foi transferido via dação de pagamento a CLEUZA GUILARDI ZONARI, sem qualquer ressalva quanto as árvores ali existentes, restando consignado na escritura pública que, juntamente com a transferência da propriedade, transmitia-se toda a posse, jus, domínio, direito e ação relativos ao referido imóvel.

Nesse ponto reside a controvérsia, pois as instâncias ordinárias compreenderam que, em razão da ausência de ressalva na dação em pagamento quanto à cobertura vegetal lenhosa plantada no imóvel, a transferência englobou, além da terra nua, as plantações, em razão da máxima jurídica de que o acessório segue o principal.

Acerca da questão, tem-se que, nos termos do artigo 79 do Código Civil/2002, “são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”. Em virtude disso, em regra, a acessão artificial operada no caso (plantação de árvores de pinus ssp) receberia a mesma classificação/natureza jurídica do terreno, sendo considerada, portanto, bem imóvel, ainda que acessório do principal, nos termos do artigo 92 do Código Civil, por se tratar de bem reciprocamente considerado.

Entretanto, muito embora o mencionado art. 79 do Código Civil considere a árvore, enquanto incorporada ao solo, bem imóvel, essa classificação legal pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, pois a mesma vontade humana que tem o condão de imobilizar bens móveis, pondo-os a serviço da coisa imóvel, tem o poder de mobilizar bens imóveis, em função da finalidade econômica.

É importante consignar que o fato de um bem se enquadrar em uma categoria não necessariamente o exclui de outra, podendo pertencer ao mesmo tempo em mais de uma classificação.

No Código Civil de 2002, os bens jurídicos são tratados no Livro II, que, por sua vez, encontra-se dividido em três capítulos dispostos da seguinte forma: Capítulo I – os bens considerados em si mesmos; Capítulo II – os bens reciprocamente considerados e o Capítulo II – os bens públicos.

Os bens considerados em si mesmo encontram sua normatização legal entre os artigos 79 a 91, no Capítulo I do Título Único do Código Civil e se apresentam subdivididos da seguinte maneira: a) bens imóveis e móveis; b) bens fungíveis e infungíveis; c) bens consumíveis e inconsumíveis; d) bens singulares e coletivos; e) divisíveis e indivisíveis.

Nessa topologia, há particular interesse pela categoria de bens móveis: aqueles que, sem deterioração na substância ou na forma, podem ser transportados de um lugar para outro.

Seguindo a linha de intelecção verifica-se, doutrinariamente, a existência da subclasse bens móveis por antecipação, cuja peculiaridade decorre da circunstância segundo a qual são verdadeiramente bens imóveis, embora acessórios do principal, que a vontade humana mobiliza em função da finalidade econômica. Assim, por exemplo, árvores, frutos, pedras e metais, aderentes ao imóvel, são imóveis; quando separados, porém, para fins humanos, tornam-se móveis.

A ora insurgente pretende a aplicação, ao caso, da referida classificação doutrinária, pois, no seu entender, em razão do projeto de implantação de reflorestamento desde o seu nascedouro ter sido elaborado para a finalidade econômica de desbaste/corte das árvores plantadas, essas seriam, desde o início, consideradas bens móveis por antecipação, motivo pelo qual a alegada ausência de ressalva no instrumento de dação em pagamento não teria o condão de transferir a propriedade da cobertura lenhosa destinada ao corte, tendo ocorrido, segundo essa tese, a cessão apenas da terra nua registrada na matrícula 2894 do Registro de Imóveis em Reserva.

Em que pese seja viável classificar a cobertura vegetal em bens móveis por antecipação, não é possível descurar que, na hipótese, trata-se de projeto dereflorestamento, e que a participação dos investidores foi adquirida, extinguindo-se o condomínio florestal, consolidando-se a propriedade plena com a REFLORIL.

É irrefutável, para o deslinde do caso, que os bens móveis por antecipação somente recebem essa classificação por vontade humana e, na hipótese, pela análise categórica realizada pela Corte local relativamente às provas constantes dos autos, notadamente dos documentos atinentes à dação em pagamento, dos contratos de reflorestamento e das sucessivas averbações junto à matrícula do imóvel, face a ausência de ressalva no instrumento de dação em pagamento, as árvores existentes sobre o terreno de matrícula 2894 foram inegavelmente transferidas.

Confira-se, por oportuno, trechos elucidativos do acórdão recorrido:

O exame da documentação carreada aos autos evidencia não assistir razão à autora, na medida e que a Escritura Pública de Cessão e Transferência de Direitos, Vantagens e Obrigações (fls. 18/20) foi lavrada quando a cedente Reforil Empreendimentos Florestais Ltda., não mais detinha os direitos relativos ao 20% das árvores remanescentes de pinus SSP, de sorte que efeito nenhum produziu por se tratar de verdadeira venda a non domino.

De fato, o imóvel rural em que fora implementado o Projeto de Refloretamento (Refloril IV e V) foi transferido a Cleuza Guilardi Zonari em 24/03/1983, sem qualquer ressalva quanto às árvores ali existentes, restando consignada na escritura pública que, juntamente com a transferência da propriedade, transferiu-se toda a posse, jus, domínio, direito e ação que sobre o referido imóvel tinha, para que ele passasse a usar, gozar e livremente dispor (fls. 21-verso).

Consoante documentos acostados à inicial (fls. 563 e seguintes , denota-se que a aquisição quanto a terra e árvores, se deu da seguinte forma:

a – em 30/01/89, foi lavrada escritura pública de compromisso de compra e venda, tendo por objeto a aquisição de terras (600 alqueires) e florestas “ad mensuram” e 102.000m3 de madeira, sendo 65,29 alqueires de reflorestamento jovens;

b – em 30/06/89, foi lavrada a escritura pública de compra e venda tendo por objeto a área de 600 alqueires, ao preço certo de NCZ$ 265.518;39, correspondentes a 174.798,15 dólares americano;

c – em 28/07/89 foi lavrada escritura pública de re-ratificação e cessão e transferência de direitos de posse, perante o Tabelionato Euzébio Borba, para o ajuste “ad mensuram” das terras, descrevendo a gleba de 627,75 alqueires. Pela diferença da área, a Klabin pagou o preço certo de NczR$ 11.700,51, correspondente a 7.702,77 dólares norte-americanos;

d – em 02/08/89, nova escritura de compra e venda de madeiras foi lavrada, visando dar cumprimento à cláusula “ad mensuram” tendo por objeto 337.971 árvores com 174.400,10 m3 de madeiras, na área de 150,74 alqueires de reflorestamentos jovens.

e – Em 03/08/89, visando à retificação de algumas cláusulas contratuais, foi lavrada a escritura pública de re-ratificação.

Forçoso concluir que juntamente com a alienação do imóvel, a empresa Refloril Empreendimentos Florestais Ltda., transferiu os direitos relativos às árvores nele plantadas.

(…)

Antes de alienar a terra, reflorestamento e direitos a ele inerentes em favor da Klabin, CLEUZA ZONARI, teria se tornado legítima proprietária e possuidora de tais bens por força da escritura pública da dação em pagamento, cujo teor é transcrito no R-1, da matrícula n 2894 (fls. 23v).

Na oportunidade, a Refloril, através do seu titular SINEZIO ZONARI, lhe transferiu toda posse, dominio, direito e ação que tinha sobre o imóvel. Tal fato se deu em 1983, ou seja, treze anos após a implantação dos reflorestamentos no ano de 1970.

Dessa maneira, na escritura pública de Dação em pagamento (fls. 22/23) não ressalvou para si a propriedade das árvores plantadas no imóvel, o que indica que a ação em pagamento englobou o terreno e suas plantações, vez que o acessório segue a sorte do principal.

(…)

E a adquirente Cleuza Guilardi Zonari em 14/02/1989 vendeu mencionado imóvel e “toda a cobertura vegetal adulta existente no imóvel acima referido, originária de reflorestamentos implantados pela empresa REFLORIL, denominados Refloril IV e V (fls. 32 à demandada KLABIN, a qual passou, dessa forma, a se tornar proprietária plena do imóvel rural e de suas plantações.

Alienado o imóvel e as plantações pela empresa Refloril já em 24/03/1983, ineficaz a cessão e direitos realizada por esta ao autor em 22/04/2004, quando não mais detinha os direitos objeto da cessão, a revelar verdadeira venda a non domino, insuscetível de concretização.

(…)

À luz de ais documentos públicos, infere-se que as transações efetuadas pela Klabin, foram feitas de forma idônea e sem os vícios alegados pela apelante. Não houve por parte da Klabin, qualquer atividade incompatível, nem desrespeito a qualquer direito de terceiros.

Assim, não tem o autor como pleitear os pretensos direitos constantes de aludida cessão, vez que ineficaz o negócio jurídico. Deverá postular a anulação da cessão e a conseqüente reparação de danos em face do cedente, eis que o objeto da transação não mais lhe pertencia quando do pacto.

(fls. 1325-1329 – grifos nossos)

É inviável a esta Corte Superior, ante os óbices das Súmulas 5 e 7/STJ, com vistas a concluir de maneira diversa das instâncias ordinárias, promover o reenfrentamento do acervo fático-probatório dos autos e das cláusulas contratuais dos sucessivos negócios jurídicos entabulados relativamente ao imóvel matriculado sob o nº 2894.

Tendo isso em evidência, repisa-se, conforme artigo 79 do Código Civil, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel salvo expressa manifestação em contrário, que não ocorreu na hipótese. Outrossim, não é por outra razão, também, que, consoante estabelecido no artigo 287 do Código Civil, “salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios”.

Desta forma, em que pese seja viável conceber a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, a depender da vontade das partes, também como bem móvel por antecipação, no caso, essa classificação não salvaguarda a pretensão da autora, pois, iniludivelmente, em virtude da ausência de anotação/observação acerca das árvores plantadas sobre o terreno, diante da presunção legal de que o acessório segue o principal, essas foram transferidas com a dação em pagamento realizada em favor de CLEUZA GUILARDI ZONARI.

Por essa razão, em virtude da empresa REFLORIL ter transferido, já em 1983, a propriedade e todos os direitos sobre o imóvel objeto da matrícula nº 2894, nos quais se incluem as acessões artificiais (plantações), não poderia ter cedido à autora, em 2004, quaisquer direitos, pois deles não dispunha.

É imprescindível mencionar, inclusive, ter a Corte local consignado que a cessão de direitos realizada entre a REFLORIL – ou quem se dizia e se apresentava como seu representante legal – e a ora insurgente, no ano de 2004, fora realizada quando aquela não mais era a titular dos direitos relativos às árvores plantadas sobre o terreno, razão por que as instâncias precedentes compreenderam se tratar de efetiva venda a non domino, realizada por quem não possuía a qualidade de proprietário do bem objeto do negócio jurídico. Esse ponto, aliás, afeto à ausência de representação legal adequada da empresa REFLORIL sequer foi objeto de impugnação no recurso especial, a atrair a incidência do óbice da súmula 283/STF.

Assim, por quaisquer ângulos que se analise a questão, apesar de ser viável classificar as árvores destinadas ao corte como bens móveis por antecipação, esse enquadramento não ampara o direito da autora de cobrar da empresa KLABIN S/A os seus alegados prejuízos, pois, se esses de fato existiram, decorreram da alienação de aparência celebrada com a REFLORIL (ou com seu pretenso representante) no ano de 2004.

Tal como referido pela Corte local, a autora, querendo, “deverá postular a anulação da cessão e a consequente reparação de danos em face do cedente, eis que o objeto da transação não mais lhe pertencia quando do pacto”. (fls. 1328-1329)

3. Do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto. – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.567.479 – Paraná – 4ª Turma – Rel. Min. Marco Buzzi – DJ 18.06.2019