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CGJ/SP – Registro de Imóveis – Pretensão de averbação de caução locatícia – Contrato de locação que prevê dupla garantia – Impossibilidade – Inteligência do art. 37, parágrafo único, da Lei de Locações – Parecer pelo recebimento do reclamo como recurso administrativo e pelo seu não provimento.

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Número do processo: 1037541-04.2016.8.26.0224

Ano do processo: 2016

Número do parecer: 386

Ano do parecer: 2017

Parecer

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 1037541-04.2016.8.26.0224

(386/2017-E)

Registro de Imóveis – Pretensão de averbação de caução locatícia – Contrato de locação que prevê dupla garantia – Impossibilidade – Inteligência do art. 37, parágrafo único, da Lei de Locações – Parecer pelo recebimento do reclamo como recurso administrativo e pelo seu não provimento.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Trata-se de recurso de apelação interposto por Júlio Augusto dos Reis contra a sentença de fls. 110/112, que impediu a averbação de caução locatícia na matrícula n° 18.426 do 1º Registro de Imóveis de Guarulhos.

Sustenta, em resumo, que a caução locatícia de bem imóvel é garantia real anômala, aplicando-se a ela o regime da hipoteca; que as pessoas que deram o bem em caução não são fiadores; e que a fiança não admite interpretação extensiva (fls. 119/123).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 137/138).

É o relatório.

Opino.

De início, em se tratando de pedido de providências – e não de dúvida, pois o ato buscado é de averbação – a apelação interposta deve ser recebida como recurso administrativo, na forma do artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo[1].

O apelante apresentou o contrato de locação acostado a fls. 7/17 no 1º Registro de Imóveis de Guarulhos, objetivando a averbação de caução locatícia na matrícula n° 18.426.

A inscrição foi negada tanto pelo Oficial, quanto pelo Corregedor Permanente, que reavaliou a qualificação registral em sede de pedido de providências.

Contra essa decisão volta-se o recorrente.

O cerne da questão – e motivo da desqualificação do título – é a existência, ou não, de dupla garantia no contrato de locação, prática vedada pelo artigo 37, parágrafo único, da Lei n° 8.245/91, que assim dispõe:

Art. 37. No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia:

I – caução;

II – fiança;

III – seguro de fiança locatícia;

IV – cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento.

Parágrafo único. É vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação.

E respeitados os argumentos do recorrente, a leitura do contrato leva à conclusão de que há realmente dupla garantia.

A caução, garantia cuja existência não se discute, decorre da cláusula 14ª do contrato (fls. 12).

Já a fiança deriva das cláusulas 25ª e 42ª, que assim preceituam:

“25ª) As obrigações assumidas neste contrato são indivisíveis e as partes, Locatário(s) e Caucionante(s), são solidárias entre si.” (fls. 14)

“42ª) Em virtude da transferência da locação de EVANDRO CARLOS BATTISTI LANCHONETE – ME para NELl LÚCIA MACHADO, e desta para VALMIR JOSÉ WENNING e JONATHANS CÂNDIDO, os locatários atuais e seus caucionantes assumem toda responsabilidade por quaisquer débitos relativos a encargos da locação, tais como: água, luz, multas, taxas, impostos, conservação do imóvel, mesmo que estes débitos sejam relativos ao período do contrato anterior.” (fls. 16 – grifo nosso)

Ainda que as cláusulas acima transcritas não façam referência expressa ao instituto da fiança, outros fatores mostram que a garantia pessoal, ao lado da caução, foi prevista no contrato.

A menção à solidariedade entre locatários e caucionantes na cláusula 25ª é típica de disposições alusivas à fiança.

Além disso, ao preceituar que os caucionantes assumem total responsabilidade pelos débitos locatícios, a cláusula 42ª confirma aquilo que já havia sido indicado pela leitura da cláusula 25ª, ou seja, a fiança foi efetivamente instituída no contrato. Com efeito, no caso dos caucionantes, não há responsabilidade pessoal por eventual débito, pois é o imóvel dado em garantia que responderá pela dívida.

Assim, inviável a inscrição do título, que, ainda que em virtude de uma redação descuidada, institui a vedada dupla garantia.

Nesse sentido, recente precedente desta Corregedoria Geral em feito similar ao ora analisado:

Cabe ao Oficial do Registro de Imóveis examinar a legalidade do título levado a averbação antes de permiti-la.

“No presente caso, não há dúvida de que a cláusula 15 (fl. 14) prevê dupla garantia: fiança (garantia pessoal) e caução (garantia real). Pouco importa que os fiadores, na cláusula, sejam denominados, tão somente, responsáveis solidários. É evidente que o são. Isso não significa, porém, que não se trate de fiança. Aliás, ao fazer menção aos artigos 827 e 828 do Código Civil – com renúncia ao benefício de ordem , a cláusula 16 varre qualquer dúvida acerca de se tratar de fiança.

Ao estabelecer a dupla garantia, a cláusula esbarra na nulidade de que trata o art. 37, parágrafo único, da Lei de Locações. E certo que a posição da jurisprudência, quando da análise de casos concretos, é no sentido de que, havendo dupla garantia, a segunda prevista é nula, prevalecendo, somente, a primeira. No entanto, até que seja declarada essa nulidade, as duas garantias existem no contrato. E se existem, contrariam o texto legal, que proíbe a cumulação.

Portanto, está correto o Oficial ao negar a averbação. O contrato precisa ser aditado, excluindo-se uma das garantias, para sua adequação à Lei de Locações. Não pode o Oficial, em sua atividade de verificação da legalidade do título levado a averbação, fechar os olhos à nulidade existente.

A questão, de fato, não é nova. Já foi objeto de exame por essa Corregedoria, valendo transcrever trecho do voto do parecer CG 34.906/05 cuja ementa é a seguinte:

Registro de Imóveis – Averbação de caução constituída sobre imóvel em locação – Contrato de locação com dupla garantia (fiança e caução real) – Inadmissibilidade à luz do disposto no art. 37, p.u., da Lei n° 8.245/1991 – Nulidade da caução, como garantia subsequente à fiança – Inviabilidade da averbação correspondente – Cancelamento que se determina, com amparo no poder de revisão hierárquica da Corregedoria Geral da Justiça. CGJSP – Processo: 34.906/2005 CGJSP – Processo/LOCALIDADE: Guarulhos DATA JULGAMENTO: 09/08/2006 Relator: Álvaro Luiz Valery Mirra.

… Está-se diante, sem dúvida, de duplicidade de garantias locatícias, vedada pela Lei n° 8.245/91 e reputada nula (art. 37, parágrafo único), de sorte que a caução, no caso, não poderia ter sido averbada pelo oficial registrador, por ser garantia subsequente à da fiança no contrato, celebrada, inclusive, por instrumento separado daquele relativo ao contrato de locação (fls. 90 a 96).

Observe-se que esse tem sido, a propósito, o entendimento desta Corregedoria Geral da Justiça, como se vê no parecer da lavra do ilustre Juiz Auxiliar, Dr. Marcelo Fortes Barbosa Filho, aprovado pelo eminente Desembargador Márcio Martins Bonilha, então Corregedor Geral da Justiça [v. Processo CG 1.578/97NE]

“(…) apesar de toda a argumentação expendida pela locadora e adotada pela decisão atacada, no sentido de que a caução não pode ser considerada uma garantia autônoma diante da fiança, achando-se nesta embutida, resta claro, a partir de uma leitura integral da disposição contratual, serem instituídas duas garantias simultâneas.

Por um lado, há uma primeira garantia pessoal, de fiança, sobre a qual se operou a renúncia ao benefício de ordem e à faculdade de exoneração e, por outro lado, uma segunda garantia real, de caução constituída sobre bem imóvel, não sendo possível tê-las como confundidas numa única garantia.

Na fiança, uma pessoa (o fiador) se obriga, acessória e subsidiariamente, frente a um credor, a pagar uma dívida, caso o devedor originário não o faça (Orlando Gomes, Contratos, 10ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 1984, pp. 492/493). O vocábulo ‘caução’ assume, em contraposição, no âmbito específico da matéria locatícia e a partir do artigo 38 da Lei 8.245/91, um significado delimitado e próprio, equivalente a uma garantia real convencional, exprimindo o texto positivado uma incontestável distinção.

A nulidade prevista pelo § único do artigo 37 da Lei 8.245/91 se consubstanciou.”

Da mesma maneira que se impediu a averbação de caução, como no voto acima, deve-se impedir a averbação do próprio contrato de locação que preveja a dupla garantia (Processo n° 9.630/2014 – Parecer da lavra do MM. Juiz Assessor Swarai Cervone de Oliveira aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Des. Elliot Akel – j. em 10/02/2014).

Assim, necessário o aditamento do contrato, a fim de que uma das garantias seja excluída da avença.

Frise-se, por fim, que, nesta esfera administrativa, a análise da intenção do legislador ao proibir a dupla garantia é inadmissível. O parágrafo único do artigo 37 da Lei nº 8.245/91 veda a constituição de dupla garantia e, tratando-se de análise formal, não cabe aqui nenhum tipo de ilação a respeito dos interesses que o dispositivo legal pretende proteger. Havendo duas garantias, a nulidade decorre da lei, o que impede a inscrição do título, não cabendo ao Oficial escolher qual delas prevalecerá.

Nesses termos, o parecer que submeto à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de receber a apelação como recurso administrativo e a ele negar provimento.

Sub censura.

São Paulo, 13 de novembro de 2017.

Carlos Henrique André Lisboa

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo a apelação como recurso administrativo e a ele nego provimento. Publique-se. São Paulo, 22 de novembro de 2017. (a) MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, Corregedor Geral da Justiça – Advogado: JOSE AUGUSTO PARREIRA FILHO, OAB/SP 86.606.

Diário da Justiça Eletrônico de 04.12.2017

Decisão reproduzida na página 306 do Classificador II – 2017