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Agravo Regimental no Recurso Especial – Crime contra a ordem tributária – Compartilhamento de dados bancários obtidos pela Receita Federal com o Ministério Público, para fins da persecução criminal – Esgotamento da via administrativa fiscalizatória e constatação de possível crime – Legalidade da prova – Comunicação que decorre de obrigação legal – Ausência e ofensa à reserva de jurisdição – Agravo provido – I. É lícito o compartilhamento promovido pela Receita Federal, dos dados bancários por ela obtidos a partir de permissivo legal, com a Polícia e com o Ministério Público, ao término do procedimento administrativo fiscal, quando verificada a prática, em tese, de infração penal. Precedentes – II. Não ofende a reserva de jurisdição a comunicação promovida pela Receita Federal nas condições supra descritas, por decorrer de obrigação legal expressa – Agravo provido.

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AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.601.127 – SP (2016/0134760-3)

RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS

R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO FELIX FISCHER

AGRAVANTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

AGRAVADO : RICARDO DE FARIA

ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. COMPARTILHAMENTO DE DADOS BANCÁRIOS OBTIDOS PELA RECEITA FEDERAL COM O MINISTÉRIO PÚBLICO, PARA FINS DA PERSECUÇÃO CRIMINAL. ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA FISCALIZATÓRIA E CONSTATAÇÃO DE POSSÍVEL CRIME. LEGALIDADE DA PROVA. COMUNICAÇÃO QUE DECORRE DE OBRIGAÇÃO LEGAL. AUSÊNCIA E OFENSA À RESERVA DE JURISDIÇÃO. AGRAVO PROVIDO.

I – É lícito o compartilhamento promovido pela Receita Federal, dos dados bancários por ela obtidos a partir de permissivo legal, com a Polícia e com o Ministério Público, ao término do procedimento administrativo fiscal, quando verificada a prática, em tese, de infração penal. Precedentes.

II – Não ofende a reserva de jurisdição a comunicação promovida pela Receita Federal nas condições supra descritas, por decorrer de obrigação legal expressa.

Agravo provido.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, por maioria, dar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Felix Fischer, que lavrará o acórdão.

Votaram com o Sr. Ministro Felix Fischer os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik e Reynaldo Soares da Fonseca.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Jorge Mussi.

Brasília (DF), 20 de setembro de 2018 (Data do Julgamento).

Ministro Felix Fischer

Relator p/ Acórdão

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator):

Trata-se de agravo regimental interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra a decisão de minha Relatoria de fls. 987-988 (e-STJ), que negou provimento ao recurso especial ministerial.

O agravante alega, em suma, que “se a Constituição não impede que a Receita Federal, à luz dos dispositivos da Lei Complementar 105/2001, possa, motu proprio, determinar a quebra do sigilo fiscal, não há porque impedir que o mesmo possa o Ministério Público quando se trata de matéria criminal” (e-STJ, fl. 996).

Requer, ao final, a reconsideração da decisão agravada ou a submissão do presente agravo regimental ao órgão colegiado.

O eminente Ministro Felix Fischer pediu vista dos autos e proferiu voto no sentido de dar provimento ao recurso.

Assim, pedi vista regimental para melhor analisar a questão.

É o relatório.

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO PELA RECEITA FEDERAL. REPASSE DE DADOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA USO EM AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Apesar de possível a quebra de sigilo bancário e fiscal, sem autorização judicial, pelo fisco, não se admite que os dados sigilosos obtidos sejam repassados ao Ministério Público ou à autoridade policial, para uso em ação penal, pois a sua obtenção é desprovida de autorização judicial.

2. Agravo regimental não provido.

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator):

A questão cinge-se a saber se é possível realizar o compartilhamento de dados obtidos pelo Fisco com o órgão ministerial.

Colhe-se da decisão impugnada:

“No caso, o acórdão impugnado apresentou a seguinte fundamentação:

“Na mesma linha de raciocínio, o C. Superior Tribunal de Justiça, a quem compete, nos termos do art. 105, III, ‘a’, da Constituição Federal, apreciar, em grau de recurso, decisões que contrariem lei federal, adotou posição no sentido de que, para utilização em processo criminal, os dados bancários devem ser obtidos com autorização judicial.

Assim, as Turmas que compõem a Terceira Seção do STJ reputam ilegal o compartilhamento, pela Receita Federal, de dados sigilosos obtidos sem autorização judicial, e reconhecem a nulidade de tal prova no âmbito penal e, por conseguinte, da ação penal fundada em tais dados.

[…]

Dessa forma, adotando a ratio decidendi dos precedentes transcritos, curvo-me ao posicionamento adotado pelo C. Superior Tribunal de Justiça para reconhecer a ilegalidade da prova obtida mediante quebra de sigilo bancário pela autoridade fazendária sem autorização judicial.” (e-STJ, fls. 861-866.)

Malgrado esta Corte admita o intercâmbio de informações entre as instituições financeiras e a autoridade fiscal para fins de constituição do crédito tributário, isso não significa que o dominus litis possa utilizar-se de tais dados para que seja deflagrada ação penal, porquanto representa verdadeira quebra de sigilo constitucional, inserida em reserva de jurisdição, e não mero compartilhamento de informações. Como cediço, o sigilo bancário, garantido no art. 5º da Constituição da República, somente pode ser suprimido por ordem judicial devidamente fundamentada, nos termos do artigo 93, inciso IX, da Constituição.

Nesse sentido é a jurisprudência deste Tribunal, que firmou o entendimento de que é imprescindível prévia autorização judicial da representação fiscal para fins penais, caso contenha dados bancários sigilosos, devidamente compartilhados com a autoridade fiscal para consecução do lançamento fiscal, razão pela qual o entendimento exposto no acórdão recorrido não diverge da orientação desta Corte Superior. Confira-se:

“PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO FISCAL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO PELA RECEITA FEDERAL. REPASSE DE DADOS AO PARQUET OU AUTORIDADE POLICIAL PARA USO EM AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. O citado entendimento da Suprema Corte de legitimidade da Receita Federal para obter, diretamente das instituições financeiras, informações bancárias dos contribuintes, foi firmado para fins de constituição de crédito tributário, não sendo aplicável em matéria penal, prevalecendo a compreensão adotada por esta Corte de que os dados sigilosos obtidos diretamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil não podem ser por ela repassados ao Ministério Público ou autoridade policial, para uso em ação penal, sem que precedida de autorização judicial a sua obtenção.

Agravo regimental desprovido.”

(AgRg no REsp 1586796/ES, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, DJe 28/04/2017);

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. SONEGAÇÃO FISCAL. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO PELA RECEITA FEDERAL SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. UTILIZAÇÃO DOS DADOS PARA FINS PENAIS. ILEGALIDADE.

1. O Superior Tribunal de Justiça possui o entendimento firmado no sentido de que, nos termos da Lei n. 8.021/1990, é possível a quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial para fins de constituição do crédito tributário, no entanto, essa possibilidade não se estende ao processo penal, sendo vedada a utilização desses dados colhidos em âmbito de processo administrativo, sobretudo para subsidiar a ação penal.

2. Agravo regimental improvido.”

(AgRg no REsp 1491423/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 01/09/2016).

Ante o exposto, nos termos do art. 255, § 4º, II, do Regimento Interno do STJ, nego provimento ao recurso especial.” (e-STJ, fls. 987-988).

O acórdão recorrido apresentou a seguinte fundamentação:

“Na mesma linha de raciocínio, o C. Superior Tribunal de Justiça, a quem compete, nos termos do art. 105, III, ‘a’, da Constituição Federal, apreciar, em grau de recurso, decisões que contrariem lei federal, adotou posição no sentido de que, para utilização em processo criminal, os dados bancários devem ser obtidos com autorização judicial.

Assim, as Turmas que compõem a Terceira Seção do STJ reputam ilegal o compartilhamento, pela Receita Federal, de dados sigilosos obtidos sem autorização judicial, e reconhecem a nulidade de tal prova no âmbito penal e, por conseguinte, da ação penal fundada em tais dados.

[…]

Dessa forma, adotando a ratio decidendi dos precedentes transcritos, curvo-me ao posicionamento adotado pelo C. Superior Tribunal de Justiça para reconhecer a ilegalidade da prova obtida mediante quebra de sigilo bancário pela autoridade fazendária sem autorização judicial.

No caso concreto, a denúncia de fls. 484/487 cuida dos fatos apurados no bojo do procedimento fiscal (MPF-F 0819000 2006 00171 7) que, em tese, configuram o crime do art. 1°, I, da Lei n° 8.137/90.

Consoante se verifica das cópias do processo administrativo fiscal em apenso, o contribuinte RICARDO DE FARIA foi intimado por via postal (AR de fl. 13 assinado por Maria Cristina da Silva) para esclarecer a origem da movimentação financeira em contas bancárias de sua titularidade no ano – calendário de 2002, considerando as discrepâncias entre os rendimentos declarados na DIRPF 2003 (fls. 08/10) e os valores que transitaram nas contas do contribuinte, informadas pelas instituições financeiras nas correspondentes DCPMF (dossiê integrado de fls. 03/09).

Transcorrido in albis o prazo de vinte dias assinalado pela fiscalização (fl. 12), a autoridade fazendária requisitou as informações diretamente às instituições financeiras, nos termos do art. 6°, da Lei Complementar n° 105/2001, regulamentada pelo Decreto n° 3.724, de 10 de janeiro de 2001 (fls. 14/19).

Com a vinda de tais informações, o processo administrativo fiscal teve seu curso, até a constituição definitiva do crédito tributário.

O compulsar dos autos revela que a denúncia vem lastreada exclusivamente nos dados bancários obtidos junto a instituições financeiras, sem a competente autorização judicial, e cuja invalidade contamina com o mesmo vício os elementos de convicção derivados dos primeiros, em razão da aplicabilidade da teoria dos frutos da árvore envenenada.

A exclusão das provas ilícitas (originariamente ou por derivação) e a ausência de elementos de prova produzidos a partir de fontes independentes esvaziam a justa causa para a instauração da presente ação penal.” (e-STJ, fls. 861-866.)

Inicialmente, destaca-se que a jurisprudência desta Corte é no sentido de que “o citado entendimento da Suprema Corte de legitimidade da Receita Federal para obter, diretamente das instituições financeiras, informações bancárias dos contribuintes, foi firmado para fins de constituição de crédito tributário, não sendo aplicável em matéria penal, prevalecendo a compreensão adotada por esta Corte de que os dados sigilosos obtidos diretamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil não podem ser por ela repassados ao Ministério Público ou autoridade policial, para uso em ação penal, sem que precedida de autorização judicial a sua obtenção” (AgRg no REsp 1.586.796/ES, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, DJe 28/4/2017). No mesmo sentido: AgRg no REsp 1.491.423/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 1/9/2016.

Especificamente, nesta Quinta Turma, trago à colação o recentíssimo precedente:

“PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. 1. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ILICITUDE DAS PROVAS QUE EMBASAM A DENÚNCIA. 2. QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. ART. 6º DA LC N. 105/2001. 3. REFLEXOS NO ÂMBITO PENAL. COMPARTILHAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. RESERVA DE JURISDIÇÃO. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. 4. CRIME TRIBUTÁRIO. MATERIALIDADE EMBASADA EM PROVA ILÍCITA. NULIDADE DA DENÚNCIA. 5. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO.

1. O trancamento da ação penal na via estreita do habeas corpus somente é0 possível, em caráter excepcional, quando se comprovar, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito.

2. Como é de conhecimento, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 601.314/SP, cuja repercussão geral foi reconhecida, consignou-se que o “art. 6º da Lei Complementar 105/01 não ofende o direito ao sigilo bancário, pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos, por meio do princípio da capacidade contributiva, bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal”.

3. Acontece que, para fins penais, as Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte Superior, na esteira também de orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento o Habeas Corpus n. 125.218/RS, não admitem que os dados sigilosos obtidos diretamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil sejam por ela repassados ao Ministério Público ou à autoridade policial, para uso em ação penal, pois não precedida de autorização judicial a sua obtenção, o que viola o princípio constitucional da reserva de jurisdição.

4. Verificando-se que a materialidade do crime tributário tem por base a utilização, para fins penais, de dados sigilosos obtidos diretamente pela Receita Federal, sem a imprescindível autorização judicial prévia, tem-se a nulidade da prova que embasa a acusação. Assim, a nulidade da prova inicial, obtida por meio da quebra do sigilo bancário sem autorização judicial, a qual deu ensejo à denúncia, acaba por contaminar a toda ação penal.

5. Recurso em habeas corpus provido, para declarar a nulidade da quebra de sigilo bancário sem autorização judicial e, consequentemente, anular a Ação Penal n. 0117080-34.2014.4.02.5001, desde o início, garantida a possibilidade de nova demanda ser proposta com esteio em prova lícita.”

(RHC 61.367/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe 09/03/2018)

Verifica-se que, atualmente, existem alguns precedentes, nas duas Turmas que compõem a Terceira Seção, em sentido oposto ao entendimento anteriormente citado. Ilustrativamente:

“HABEAS CORPUS. TRÂMITE CONCOMITANTE COM RECURSO EM HABEAS CORPUS. CONHECIMENTO DO WRIT. ESTÁGIO PROCESSUAL MAIS AVANÇADO. LIMINAR DEFERIDA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ILICITUDE DA PROVA EMBASADORA DA DENÚNCIA. COMPARTILHAMENTO DOS DADOS BANCÁRIOS OBTIDOS PELA RECEITA FEDERAL COM O MINISTÉRIO PÚBLICO.

[…]

3. O entendimento de que é incabível o uso da chamada prova emprestada do procedimento fiscal em processo penal, tendo em vista que a obtenção da prova (a quebra do sigilo bancário) não conta com autorização judicial contraria a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal de que é possível a utilização de dados obtidos pela Secretaria da Receita Federal, em regular procedimento administrativo fiscal, para fins de instrução processual penal.

4. No caso, não há falar em ilicitude das provas que embasam a denúncia contra os pacientes, porquanto, assim como o sigilo é transferido, sem autorização judicial, da instituição financeira ao Fisco e deste à Advocacia-Geral da União, para cobrança do crédito tributário, também o é ao Ministério Público, sempre que, no curso de ação fiscal de que resulte lavratura de auto de infração de exigência de crédito de tributos e contribuições, se constate fato que configure, em tese, crime contra a ordem tributária (Precedentes do STF).

5. Ordem denegada. Liminar cassada.”

(HC 422.473/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 27/03/2018)

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES PELA RECEITA FEDERAL DIRETAMENTE A INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. POSSIBILIDADE. CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. REMESSA DOS DADOS PARA FINS DE INSTAURAÇÃO DE PERSECUÇÃO PENAL. IMPOSIÇÃO LEGAL DECORRENTE DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ILEGALIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO NÃO VERIFICADA. ANÁLISE QUE DEMANDA INCURSÃO NO ACERVO PROBATÓRIO COLHIDO DURANTE A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

1. A Suprema Corte, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 601.314/SP, reconhecida a repercussão geral da matéria, firmou entendimento no sentido de que a requisição de informações pela Receita Federal às instituições financeiras prescinde de autorização judicial. Dessa forma, para fins de constituição de crédito tributário, não há que se falar em ilegalidade no compartilhamento de informações entre instituição bancária e fisco.

2. Por outro lado, permanece incólume o entendimento segundo o qual, uma vez obtidas as informações pela Receita Federal, seu encaminhamento ao Ministério Público ou autoridade policial para fins de instauração de ação penal ou inquérito constitui violação do princípio da reserva de jurisdição. In casu, o envio das informações pela Receita Federal à Autoridade Policial decorreu exclusivamente de obrigação legal, tendo em vista o esgotamento da via administrativa e constituição definitiva de créditotributário, constatada a existência de ilícito penal. Precedentes.

3. Em razão da excepcionalidade do trancamento da ação penal, tal medida somente se verifica possível quando ficar demonstrado, de plano e sem necessidade de dilação probatória, a total ausência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a existência de alguma causa de extinção da punibilidade.

Desse modo, ao menos em tese, não se vislumbra ilegalidade nas provas indicadas pela exordial acusatória. Diante dos estreitos limites do rito, afigurar-se-ia prematuro determinar o trancamento da ação penal.

Considerando a demonstração da existência de materialidade delitiva e indícios de autoria, as conclusões a que chegaram as instâncias ordinárias até o presente momento acerca da legalidade das provas produzidas somente poderão ser afastadas após profunda incursão fático-probatória, a ser efetuada no bojo da instrução criminal, sendo inadmissível seu debate na via eleita, ante a necessária incursão probatória.

Recurso ordinário em habeas corpus desprovido.

(RHC 75.532/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 09/05/2017, DJe 17/05/2017)

No Supremo Tribunal Federal há precedentes também neste último sentido. Ilustrativamente:

“EMENTA: DIREITO PENAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001. CONSTITUCIONALIDADE. UTILIZAÇÃO DE DADOS OBTIDOS PELA RECEITA FEDERAL PARA INSTRUÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE.

1. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o RE 601.314, Rel. Min. Edson Fachin, após reconhecer a repercussão geral da matéria, assentou a constitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001, que permitiu o fornecimento de informações sobre movimentações financeiras diretamente ao Fisco, sem autorização judicial.

2. Da mesma forma, esta Corte entende ser possível a utilização de dados obtidos pela Secretaria da Receita Federal para fins de instrução penal. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento.”

(RE 1.041.285 AgR-AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 27/10/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-258 DIVULG 13-11-2017 PUBLIC 14-11-2017)

Ou seja: a jurisprudência sobre o tópico em questão é vacilante, aqui e no Supremo.

Ressalte-se, por fim, que, sobre o presente tema, foi reconhecida repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, na apreciação do RE 1.055.941/SP, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, em 12/4/2018.

Em razão de o tema estar sobre apreciação em repercussão geral, mantenho o meu entendimento até aqui manifestado.

Com efeito, não obstante os argumentos trazidos pelo agravante, estes não têm o condão de infirmar os fundamentos insertos na decisão agravada.

Malgrado esta Corte admita o intercâmbio de informações entre as instituições financeiras e a autoridade fiscal para fins de constituição do crédito tributário, isso não significa que o dominus litis possa utilizar-se de tais dados para que seja deflagrada ação penal, porquanto representa verdadeira quebra de sigilo constitucional, inserida em reserva de jurisdição, e não mero compartilhamento de informações. Como cediço, o sigilo bancário, garantido no art. 5º da Constituição da República, somente pode ser suprimido por ordem judicial devidamente fundamentada, nos termos do artigo 93, inciso IX, da Constituição.

Repise-se, dessarte, que, apesar de reconhecida, em repercussão geral, a desnecessidade de prévia autorização judicial para a quebra de sigilo bancário para fins de constituição de crédito tributário, penso que não se pode admitir que os dados obtidos, de forma sigilosa, pelo Fisco sejam repassados ao Ministério Público ou à autoridade policial, para uso em ação penal.

Assim sendo, mantenho a decisão agravada por seus próprios fundamentos.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É o voto.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Trata-se de Agravo Interno interposto pelo Ministério Público Federal em face da decisão monocrática proferida pelo douto Relator às fls. 987-988, que negou provimento ao apelo extremo, aduzindo, para tanto, que o Ministério Público não pode se valer dos dados bancários lhe remetidos pela autoridade fiscal para propor ação penal, sem autorização judicial de quebra do sigilo bancário.

Depreende-se dos autos que Ricardo de Faria foi denunciado pelo Ministério Público Federal pela prática, em tese, do delito capitulado no art. 1º, da Lei n. 8.137/90 (crime contra a ordem tributária), em razão de possível omissão, junto a autoridade fazendária, de rendimentos referentes a depósitos efetuados em contas bancárias de sua titularidade, em valores de origem injustificada.

Rejeitada a denúncia (fls. 796-800), sob o fundamento da ilegalidade da quebra do sigilo bancário promovida diretamente pela Receita Federal, foi apresentado Recurso em Sentido Estrito pelo parquet, tendo a Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, por unanimidade, negado-lhe provimento, conforme ementa (fls. 868-869):

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO DIRETAMENTE PELA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA FINS DE INSTRUÇÃO CRIMINAL. POSIÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO DESPROVIDO.

– O Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental de constitucionalidade, no julgamento do RE n° 389.808, proferiu decisão no sentido de que conflita com a Constituição Federal qualquer interpretação do art. 6o da Lei Complementar 105/2001 “que implique afastamento do sigilo bancário do cidadão, da pessoa natural ou da jurídica, sem ordem emanada do Judiciário.”

– O C. Superior Tribunal de Justiça, a quem compete, nos termos do art. 105, III, “a”, da Constituição Federal, apreciar, em grau de recurso, decisões que contrariem lei federal, adotou posição no sentido de que, para utilização em processo criminal, os dados bancários devem ser obtidos com autorização judicial.

– As Turmas que compõem a Terceira Seção do STJ reputam ilegal o compartilhamento, pela Receita Federal, de dados sigilosos obtidos sem autorização judicial, e reconhecem a nulidade de tal prova no âmbito penal e, por conseguinte, da ação penal fundada em tais dados.

– Caso concreto em que a denúncia vem lastreada exclusivamente nos dados bancários obtidos junto a instituições financeiras, sem a competente autorização judicial, e cuja invalidade contamina com o mesmo vício os elementos de convicção derivados dos primeiros, em razão da aplicabilidade da teoria dos frutos da árvore envenenada.

– A exclusão das provas ilícitas (originariamente ou por derivação) e a ausência de elementos de prova produzidos a partir de fontes independentes esvaziam a justa causa para a instauração da presente ação penal.

– Ausência de justa causa para a ação penal. Manutenção da decisão que rejeitou a denúncia.

– Recurso desprovido.”

Irresignado, o Ministério Público Federal aviou Recurso Especial, o qual foi desprovido monocraticamente pelo em. Relator, motivando a propositura do presente Agravo Interno.

Sustenta o agravante, em resenha, a licitude da prova obtida pela Receita Federal no curso de ações fiscais, e, posteriormente compartilhada com o Ministério Público quando da conclusão do procedimento fiscalizatório, independentemente de autorização judicial, pois decorrente da obrigação fazendária de comunicar crimes, e fornecer a documentação necessária, aos órgãos de controle, nos termos do art. 8º, da Lei n. 8.021/90, e art. 1º, § 3º, inc. IV, da Lei Complementar n. 105/2001.

Aduz que a obtenção de dados bancários pela Receita Federal não representa quebra de sigilo, mas sim mera transferência de informações, e que o posterior compartilhamento com as autoridades competentes, advém do dever de comunicar possíveis ilícitos penais e administrativos às autoridades competentes.

Desse modo, defende a legalidade da prova colhida, e a possibilidade de seu emprego na seara penal.

Ao final, pugna pelo provimento do recurso, a fim de ‘reconhecer a licitude das provas que instruíram a denúncia, recebendo-a‘ (fls. 899 e-STJ).

O digno Ministro Relator, Ribeiro Dantas, por sua vez, votou pelo não provimento do Agravo, mantendo a decisão monocrática anterior, cuja ementa ora transcrevo:

“PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO PELA RECEITA FEDERAL. REPASSE DE DADOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA USO EM AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. Apesar de possível a quebra de sigilo bancário e fiscal, sem autorização judicial, pelo fisco, as Turmas que compõem a Terceira Seção deste Tribunal, na esteira de orientação do STF (HC 125218, Relator Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 24/05/2016, PROCESSO ELETRÔNICO SJe-116 DIVULG 6/6/2016 PUBLIC 7/6/2016), não admitem que os dados sigilosos obtidos sejam repassados ao Ministério Público ou à autoridade policial, para uso em ação penal, pois a sua obtenção é desprovida de autorização judicial. Precedentes.

2. Agravo regimental não provido.”

É o relatório.

Pois bem. Compulsando as premissas que edificaram o voto do e. Ministro Relator, ressaltou que ‘malgrado esta Corte admita o itercâmbio de informações entre as instituições financeiras e a autoridade fiscal para fins de constituição do crédito tributário, isso não significa que o dominus litis possa utilizar-se de tais dados para que seja deflagrada ação penal, porquanto representa verdadeira quebra de sigilo constitucional, inserida em reserva de jurisdição, e não mero compartilhamento de informações.

Destaca a imprescindibilidade da prévia autorização judicial de quebra do sigilo bancário para uso em ação penal, na hipótese da representação fiscal conter dados bancários sigilosos, sob pena de invalidade da prova.

Assim, diante da não observancia da reserva de jurisdição, concluiu pela ilegalidade da prova obtida pelo dominus litis.

Não obstante concordar com o Senhor Relator quanto a prescindibilidade de autorização judicial para a requisição de informações bancárias pela Receita Federal, como meio de concretizar seus mecanismos fiscalizatórios na seara tributária, ante a constitucionalidade da disciplina contida no art. 6º, da Lei Complementar n. 105/2001, reconhecida pela Suprema Corte no julgamento do RE n. 601.314/SP, sob a sistemática da repercussão geral, venho, respeitosamente, divergir com relação ao segundo tópico abordado, alusivo ao compartilhamento de tais informações sigilosas com o Ministério Público ou autoridade policial, independentemente de intervenção judicial, ao término do procedimento administrativo fiscal, quando vislumbrada a prática de possível ilícito penal.

Nada obstante o entendimento já consagrado neste Tribunal, ao qual me filio, no sentido de que a quebra do sigilo bancário, para fins penais, exige autorização judicial mediante decisão devidamente fundamentada, diante da excepcionalidade da medida, como corolário do princípio da reserva de jurisdição, a hipótese tratada nos autos detém certaparticularidade que impõe conclusão diversa.

Em que pese as brilhantes razões destacadas pelo eminente Relator, ouso dissentir, amparando-me, para tanto, na recente orientação firmada pela Quinta Turma deste Tribunal, no julgamento do Recurso em Habeas Corpus n. 75.532/SP, de relatoria do Exmo. Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik. Por ocasião do mencionado julgamento, assentou-se, de forma unânime, que o envio dos dados sigilosos pela Receita Federal à Policia ou ao Ministério Público, quando do esgotamento da via administrativa e constituição definitiva de crédito tributário, decorre de mera obrigação legal de comunicar as autoridades competentes acerca de possível ilícito cometido, não representando assim ofensa ao princípio da reserva de jurisdição o uso de tais elementos compartilhados para fins penais. Segue ementa:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES PELA RECEITA FEDERAL DIRETAMENTE A INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. POSSIBILIDADE. CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. REMESSA DOS DADOS PARA FINS DE INSTAURAÇÃO DE PERSECUÇÃO PENAL. IMPOSIÇÃO LEGAL DECORRENTE DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. ILEGALIDADE DO CONJUNTO PROBATÓRIO NÃO VERIFICADA. ANÁLISE QUE DEMANDA INCURSÃO NO ACERVO PROBATÓRIO COLHIDO DURANTE A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

1. A Suprema Corte, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 601.314/SP, reconhecida a repercussão geral da matéria, firmou entendimento no sentido de que a requisição de informações pela Receita Federal às instituições financeiras prescinde de autorização judicial. Dessa forma, para fins de constituição de crédito tributário, não há que se falar em ilegalidade no compartilhamento de informações entre instituição bancária e fisco.

2. Por outro lado, permanece incólume o entendimento segundo o qual, uma vez obtidas as informações pela Receita Federal, seu encaminhamento ao Ministério Público ou autoridade policial para fins de instauração de ação penal ou inquérito constitui violação do princípio da reserva de jurisdição. In casu, o envio das informações pela ReceitaFederal à Autoridade Policial decorreu exclusivamente de obrigação legal, tendo em vista o esgotamento da via administrativa e constituição definitiva de crédito tributário, constatada a existência de ilícito penal. Precedentes.

3. Em razão da excepcionalidade do trancamento da ação penal, tal medida somente se verifica possível quando ficar demonstrado, de plano e sem necessidade de dilação probatória, a total ausência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a existência de alguma causa de extinção da punibilidade. Desse modo, ao menos em tese, não se vislumbra ilegalidade nas provas indicadas pela exordial acusatória. Diante dos estreitos limites do rito, afigurar-se-ia prematuro determinar o trancamento da ação penal. Considerando a demonstração da existência de materialidade delitiva e indícios de autoria, as conclusões a que chegaram as instâncias ordinárias até o presente momento acerca da legalidade das provas produzidas somente poderão ser afastadas após profunda incursão fático-probatória, a ser efetuada no bojo da instrução criminal, sendo inadmissível seu debate na via eleita, ante a necessária incursão probatória.

Recurso ordinário em habeas corpus desprovido.” (RHC 75.532/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe 17/05/2017, grifei).

Extrai-se do acórdão o seguinte excerto, que bem pondera a singularidade ora ressaltada:

Conclui-se, portanto, que o envio das informações pela Receita Federal à Autoridade Policial decorreu exclusivamente de obrigação legal, tendo em vista o esgotamento da via administrativa e constituição definitiva de crédito tributário, constatada a existência de ilícito penal.

Tal procedimento atende ao disposto na Súmula Vinculante n. 24 do Supremo Tribunal Federal, a qual afirma que o tipo penal descrito no art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/90 somente se configura após lançamento definitivo do crédito tributário, justamente o que ocorreu no caso concreto.

Com efeito, como bem destacado no voto condutor, constitui obrigação dos órgãos de fiscalização tributária, prevista no art. 83, da Lei n. 9.430/96 (redação dada pela Lei n. 12.350/2010) comunicar o Ministério Público, quando do encerramento do procedimento administrativo sobre exigência de crédito tributário, eventual prática de crime. E mais, não configura quebra do dever de sigilo ‘a comunicação, às autoridades competentes, da prática de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informaçõessobre operações que envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa‘ (inc. IV, do § 3º, do art. 1º, da Lei Complementar n. 105/2001).

Como se vê, os citados dispositivos expressamente albergam o dever de remessa de dados bancários indicativos de eventual ilícito penal ao Ministério Público, a partir do término do procedimento administrativo tributário, como forma de permitir a investigação e persecução penal. Desse modo, a ação penal fundada em tais elementos não pode ser tomada como ofensiva à reserva de jurisdição, pois amparada em exceção categórica da legislação. Vale dizer, sendo legítimo os meios de obtenção da prova material e sua utilização no processo administrativo fiscal, mostra-se igualmente lícita sua utilização para fins da persecução criminal, a partir da comunicação obrigatória promovida pela Receita Federal no cumprimento de seu dever legal, quando do término da fase administrativa.

Sobre o assunto, lapidar o julgado da Sexta Turma deste Tribunal:

“HABEAS CORPUS. TRÂMITE CONCOMITANTE COM RECURSO EM HABEAS CORPUS. CONHECIMENTO DO WRIT. ESTÁGIO PROCESSUAL MAIS AVANÇADO. LIMINAR DEFERIDA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ILICITUDE DA PROVA EMBASADORA DA DENÚNCIA. COMPARTILHAMENTO DOS DADOS BANCÁRIOS OBTIDOS PELA RECEITA FEDERAL COM O MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. Embora tenha chegado ao Superior Tribunal de Justiça o RHC n. 93.868, interposto pelos ora pacientes contra o mesmo acórdão atacado neste habeas corpus, o recurso, meio adequado para impugnar o julgado do Tribunal Regional Federal, estava em estágio processual menos avançado que o writ, o qual foi processado com medida liminar deferida.

2. É imperiosa a necessidade de alinhamento da jurisprudência dos tribunais nacionais a fim de preservar a segurança jurídica, bem como afastar a excessiva litigiosidade na sociedade e a morosidade da Justiça.

3. O entendimento de que é incabível o uso da chamada prova emprestada do procedimento fiscal em processo penal, tendo em vista que a obtenção da prova (a quebra do sigilo bancário) não conta com autorização judicial contraria a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal de que é possível a utilização de dados obtidos pela Secretaria da Receita Federal, em regular procedimento administrativo fiscal, para fins de instrução processual penal.

4. No caso, não há falar em ilicitude das provas que embasam a denúncia contra os pacientes, porquanto, assim como o sigilo é transferido, sem autorização judicial, da instituição financeira ao Fisco e deste à Advocacia-Geral da União, para cobrança do crédito tributário, também o é ao Ministério Público, sempre que, no curso de ação fiscal de que resulte lavratura de auto de infração de exigência de crédito de tributos e contribuições, se constate fato que configure, em tese, crime contra a ordem tributária (Precedentes do STF).

5. Ordem denegada. Liminar cassada.” (HC 422.473/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 27/03/2018, grifei).

Recentemente, a Suprema Corte também teve a oportunidade de se manifestar acerca do tópico em exame, assentando a legitimidade da prova material obtida no procedimento administrativo tributário, nos termos do art. 6º, da Lei Complementar n. 105/2001, e licitude de seu compartilhamento com o Ministério Público para fins da persecução criminal, independentemente de autorização judicial:

“DIREITO PENAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 6º DA LEI COMPLEMENTAR Nº 105/2001. CONSTITUCIONALIDADE. UTILIZAÇÃO DE DADOS OBTIDOS PELA RECEITA FEDERAL PARA INSTRUÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE.

1. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o RE 601.314, Rel. Min. Edson Fachin, após reconhecer a repercussão geral da matéria, assentou a constitucionalidade do art. 6º da Lei Complementar nº 105/2001, que permitiu o fornecimento de informações sobre movimentações financeiras diretamente ao Fisco, sem autorização judicial.

2. Da mesma forma, esta Corte entende ser possível a utilização de dados obtidos pela Secretaria da Receita Federal para fins de instrução penal. Precedentes.

3. Agravo interno a que se nega provimento.” (RE 1041285 AgR-AgR/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 27/10/2017, DJe 14/11/2017, grifei).

No mesmo sentido, tem-se os seguintes julgados, todos do Supremo Tribunal Federal: ARE n. 929.356, de relatoria do Senhor Ministro Roberto Barroso; ARE n. 998.818, de relatoria do Senhor Ministro Ricardo Lewandowski; e ARE n. 953.058, de relatoria do Senhor Ministro Gilmar Mendes. Deste último precedente colhe-se relevante passagem, que bem enfrenta a questão:

“Nessa esteira, frisa-se que o sigilo das informações bancárias foi mantido no processo judicial, que está sob manto do segredo de justiça, limitando-se o acesso às partes e ao Poder Judiciário.

Ademais, a teor do art. 198, § 3º, inciso I, do Código Tributário Nacional (com redação dada pela Lei Complementar 104/2001), não é vedada a divulgação de informações, para representação com fins penais, obtidas por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.

Dessa maneira, sendo legítimo os meios de obtenção da prova material e sua utilização no processo administrativo fiscal, mostra-se lícita sua utilização para fins da persecução criminal. Sobretudo, quando se observa que a omissão da informação revelou a efetiva supressão de tributos, demonstrando a materialidade exigida para configuração do crime previso no art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/1990, não existindo qualquer abuso por parte da Administração Fiscal em encaminhar as informações ao Parquet.

Em síntese, não constitui ofensa ao princípio da reserva de jurisdição o uso pelo Ministério Público, para fins penais, sem autorização judicial, de dados bancários legitimamente obtidos pela Receita Federal (LC n. 105/2001, art. 6º) e compartilhados no cumprimento de seu dever legal, por ocasião do esgotamento da via administrativa fiscalizatória e constatação de possível prática de crime tributário.

O caso em exame se enquadra exatamente nesta exceção supra desenhada. Evidencia-se que a denúncia oferecida pelo Ministério Público amparou-se nos elementos de prova lhe remetidos pela Receita Federal quando do encerramento do Processo Administrativo Fiscal n. 19515.001225/2006-13, dentre os quais dados bancários.

Assim, há que se concluir pela licitude da prova compartilhada pela Receita Federal com o Ministério Público, o que impõe a reforma da decisão que rejeitou a denúncia, determinando, por conseguinte, novo juízo de admissibilidade da peça acusatória.

Ante o exposto, divirjo do douto Relator, para dar provimento ao Agravo Regimental ofertado, reformando a decisão monocrática proferida às fls. 987/988 e-STJ, para o efeito de dar parcial provimento ao Recurso Especial interposto, reconhecendo a licitude da prova, bem assim determinar novo juízo de admissibilidade da denúncia ofertada.

É o voto. – – /

Dados do processo:

STJ – AgRg no REsp nº 1.601.127 – São Paulo – 5ª Turma – Rel. Min. Ribeiro Dantas – DJ 26.09.2018

Fonte: INR