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Processual civil e tributário – Recurso Especial – Enunciado Administrativo 03/STJ – Débito tributário em nome da empresa matriz – Expedição de certidão negativa de débito em nome da filial – Possibilidade – Autonomia dos estabelecimentos – Precedentes – Recurso especial provido.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.773.249 – ES (2018/0267047-0)

RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES

RECORRENTE : ORGBRISTOL ORGANIZAÇÕES BRISTOL LTDA

ADVOGADOS : FRANCISCO AUGUSTO DE CARVALHO E OUTRO(S) – MG056345

MARCELO EBDER DOS SANTOS – MG131303

RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 03/STJ. DÉBITO TRIBUTÁRIO EM NOME DA EMPRESA MATRIZ. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO EM NOME DA FILIAL. POSSIBILIDADE. AUTONOMIA DOS ESTABELECIMENTOS. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

DECISÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Trata-se de recurso especial interposto por ORGBRISTOL ORGANIZAÇÕES BRISTOL LTDA, com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da CF/1988, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, nesses termos ementado:

CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. EMPRESA MATRIZ POSSUI DÉBITOS JUNTO AO FISCO. EMPRESA AUTORA, NA CONDIÇÃO DE FILIAL, NÃO POSSUI DÉBITOS. IMPOSSIBILIDADE DE OBTENÇÃO DA CND PELA FILIAL.

1 – É sabido que a jurisprudência tem se posicionado no sentido de que, em linha de princípio, cada estabelecimento tem seu domicílio tributário, onde as obrigações tributárias são geradas, de modo que os respectivos encargos são exigidos conforme a situação específica e peculiar de cada filial. A partir disso, o STJ tem proferido entendimento no sentido de que cada estabelecimento de empresa que tenha CNPJ individual tem direito a certidão positiva com efeito de negativa em seu nome, ainda que restem pendências tributárias de outros estabelecimentos do mesmo grupo econômico, quer seja matriz ou filial.

2 – A matriz e filial são a mesma pessoa jurídica, com o mesmo CNPJ, que muda apenas a terminação, para fins de identificação. Segundo a doutrina de Leandro Paulsen, nesse contexto, o tratamento unitário pode inviabilizar as providências necessárias à obtenção de certidões, “implicando em complexidade invencível, reveladora de ônus demasiado ao contribuinte”.

3 – A sociedade empresária é identificada como contribuinte pelo número de sua inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, sendo que a Secretaria da Receita Federal, através da Instrução Normativa SRF nº 1634/2016, que regulamenta atualmente a matéria, considera a matriz e filiais sujeitos à inscrição individualizada no CNPJ.

4 – A jurisprudência passou a interpretar o artigo 127, II, do Código Tributário Nacional, cada estabelecimento tem seu domicílio tributário, não sendo possível a recusa de emissão de certidão negativa a determinado estabelecimento sob a alegação de que outros estabelecimentos da recorrida têm débitos junto à Administração Fiscal.

5 – Pelas normas de Direito Civil, a matriz e filial constituem estabelecimentos da mesma pessoa jurídica de direito privado. Com efeito, a empresa é considerada uma só, quer haja um, quer haja vários estabelecimentos, sendo esta (exegese do art. 127, II, do CTN) uma questão de domicílio da pessoa jurídica, seara na qual se admite a pluralidade.

6 – A esse respeito, o próprio § 1º do art. 75 do Código Civil dispõe que “tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados”. Nisso, portanto, constitui a autonomia administrativa dos estabelecimentos.

7 – Da mesma forma que o dispositivo da legislação civil acima mencionado, o Código Tributário Nacional, em seu art. 127, II, estabelece a possibilidade de pluralidade de domicílios, para fins fiscais.

8 – É importante destacar que a interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça ao art. 127, II, do CTN, bem como pela adoção da idéia de autonomia jurídico-funcional dos estabelecimento que possuam CNPJ próprio foi o de prestigiar a descentralização da administração empresarial, otimizando-a, portanto.

9 – A distinção deve ser feita aqui para que esses precedentes não sejam considerados como fundamento para a realização de planejamento tributário fraudulento. Com efeito, as empresas poderão realizar planejamento tributário ilegal, transferindo débitos para as suas filiais ou destas para a matriz, liberando a matriz ou filiais, conforme o caso, para obter certidão, e participar de licitações, conseguir financiamentos com o BNDES, parcelamentos etc. A sociedade anônima, que é una, estaria repleta de débitos (matriz ou filais), mas apesar disso, realizaria licitações e estaria apta a obter financiamentos através da matriz ou da filial (aquela que não tivesse débitos). Vislumbrar-se-ia mais um caminho para a fraude e lesão ao erário.

10 – A apelante afirma que não existem débitos previdenciários em nome da autora filial, mas existem diversos débitos fazendários em nome da matriz (extratos juntados aos autos).

Ressalte-se que, à evidência, a expedição de certidão negativa em favor da filial poderá beneficiar toda a pessoa jurídica, que, diga-se novamente, é una.

11 – Não se pretende afastar, aqui, prima facie, o entendimento que vem trilhando o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, embora os precedentes citados não tenham sido julgados como representativos de controvérsia. Na verdade, o que se vislumbra é a necessidade da distinção sugerida. Perceba-se que nada impediria que a autora, como pessoa jurídica, valer-se do gozo de certidão negativa para a formalização de convênios e contratos que beneficiem toda a sociedade, em nome da filial, ainda que a matriz possua débitos fiscais exigíveis em seu CNPJ.

12 – A própria Portaria Conjunta RFB / PGFN Nº 1751, de 02 de outubro de 2014, que trata da emissão de Certidões, dispõe que “a certidão emitida para pessoa jurídica é válida para o estabelecimento matriz e suas filiais” (art. 3º).

13 – O próprio Superior Tribunal de Justiça, ao tratar da responsabilidade patrimonial das filiais em relação à dívida tributária da pessoa jurídica, tratou como irrelevante o fato de a filial possuir CNPJ próprio, por considerar a unidade patrimonial da pessoa jurídica frente ao fisco, ressaltando, inclusive, que a inscrição da filial no CNPJ é derivada do CNPJ da matriz. Esse entendimento foi proferido pela Primeira Seção da Corte Superior em julgamento de recurso representativo de controvérsia, e divulgado no informativo nº 0524, de 28 de agosto de 2013 ( REsp 1355812/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/05/2013, DJe 31/05/2013).

14 – Dessa forma, a existência de distinção entre o CNPJ da matriz com o da filial se dá em benefício da própria atividade da Administração Fiscal, e não pode servir como elemento apto a alterar a realidade que deve ser retratada na certidão de débitos, qual seja, a existência ou não de débitos em nome da pessoa jurídica.

15 – O fato de o número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ de cada estabelecimento ser diferente ocorre porque as normas relativas a esse cadastro são de natureza tributária e possuem como objetivo central facilitar a atividade fiscalizatória do Estado, sem o efeito, nota-se, de cindir as pessoas jurídicas que se estabelecem em mais de um lugar.

Acrescente-se que o STJ tem orientação em sua jurisprudência, com base em doutrina, no sentido de que a filial é uma espécie de estabelecimento empresarial, fazendo parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica, partilhando os mesmos sócios, contrato social e firma ou denominação da matriz, de modo que, conforme doutrina majoritária, consiste em uma universalidade de fato, não ostentando personalidade jurídica própria, nem é sujeito de direitos, tampouco uma pessoa distinta da sociedade empresária.

16 – O STJ também já decidiu que o princípio tributário da autonomia dos estabelecimentos, cujo conteúdo normativo preceitua que estes devem ser considerados, na forma da legislação específica de cada tributo, unidades autônomas e independentes nas relações jurídico-tributárias travadas com a Administração Fiscal, é um instituto de direito material, ligado à questão do nascimento da obrigação tributária de cada imposto especificamente considerado e não tem relação com a responsabilidade patrimonial dos devedores prevista em um regramento de direito processual, ou com os limites da responsabilidade dos bens da empresa e dos sócios definidos no direito empresarial.

17 – Portanto, a mencionada autonomia patrimonial das filiais é um instituto de direito material cujo efeito serve para indicar o nascimento da obrigação tributária, na forma do art. 127, II, do CTN e art. 75, §1º do Código Civil (tanto que a jurisprudência do Superior de Justiça é no sentido de que a matriz não tem legitimidade para representar processualmente as filiais nos casos em que o fato gerador do tributo se dá de maneira individualizada em cada estabelecimento comercial/industrial), e não se presta para cindir a pessoa jurídica ou desconfigurar sua unidade patrimonial com relação ao fisco. Caso contrário, seria contraditório conceber que cada filial/matriz possua plena independência, apto a garanti-la o direito à certidão negativa, independentemente dos débitos dos demais estabelecimentos, e ao mesmo tempo entender que a diversidade de CNPJ não afasta a unidade patrimonial da pessoa jurídica em relação ao fisco, para fins de responsabilidade patrimonial, conforme decidido no REsp 1355812.

18 – Remessa necessária e apelação providas.

Sustenta a parte recorrente que o acórdão regional contrariou o art. 127, I e II, do CTN, alegando em síntese que a matriz e filial são pessoas jurídicas distintas para fins tributários. Aponta divergência jurisprudencial.

Apresentadas contrarrazões.

É o relatório. Passo a decidir.

Inicialmente é necessário consignar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo nº 3/STJ: “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC”.

O recurso merece prosperar.

Esta Corte Superior possui o entendimento de que, ante o princípio da autonomia de cada estabelecimento da empresa consagrado no art. 127, I, do CTN, evidenciado que a matriz possui inscrição no CNPJ diversa da filial, a existência de débito em nome de um não impede a expedição de regularidade fiscal em favor de outro.

Confiram-se a propósito:

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. MATRIZ E FILIAL. POSSIBILIDADE. AUTONOMIA DOS ESTABELECIMENTOS.

O Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que, para fins tributários, na hipótese de existência de inscrições próprias entre a matriz e as filiais, por serem considerados entes tributários autônomos, a situação de regularidade fiscal deve ser considerada de forma individualizada.

Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 857.853/SP, Primeira Turma, Rel. Ministro Gurgel de Faria, julgado em 21/6/2016, DJe 8/8/2016)

TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. MATRIZ E FILIAL QUE POSSUEM INSCRIÇÕES DISTINTAS NO CNPJ. POSSIBILIDADE. AUTONOMIA JURÍDICO-ADMINISTRATIVA DOS ESTABELECIMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

I. Agravo Regimental interposto em 19/03/2015, contra decisão publicada em 16/03/2015, na vigência do CPC/73.

II. Na forma da jurisprudência do STJ, “quando o estabelecimento matriz possuir inscrição no CNPJ diferente da do estabelecimento filial, a existência de débito tributário em nome de um não impede a expedição de regularidade fiscal em nome de outro” (STJ, AgRg no AREsp 695.391/RJ, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 28/10/2015). No mesmo sentido STJ, AgRg no REsp 1.114.696/AM, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 20/10/2009; AgRg no REsp 1.476.087/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 27/08/2015; AgRg no AREsp 657.920/AM, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 27/05/2015; AgRg no AREsp 624.040/BA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 30/03/2015.

III. Agravo Regimental improvido.

(AgRg no AREsp 660.736/BA, Segunda Turma, Rel. Ministra Assusete Magalhães, julgado em 14/6/2016, DJe 24/6/2016)

TRIBUTÁRIO. EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO. MATRIZ E FILIAL. POSSIBILIDADE. AUTONOMIA JURÍDICO-ADMINISTRATIVA. DECISÃO RECORRIDA NO MESMO SENTIDO DA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 568/STJ.

1. “É possível a concessão de certidões negativas de débito tributário às empresas filiais, ainda que conste débito em nome da matriz, em razão de cada empresa possuir CNPJ próprio, a denotar sua autonomia jurídico-administrativa”. (AgRg no REsp 1.114.696/AM, Primeira Turma, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJe 20/10/09). Precedentes.

2. Incidência da Súmula 568/STJ: “O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema”.

Agravo interno improvido.

(AgInt no REsp 1.434.810/DF, Segunda Turma, Rel. Ministro Humberto Martins, julgado em 2/6/2016, DJe 8/6/2016)

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CERTIDÃO POSITIVO DE DÉBITOS, COM EFEITO DE NEGATIVA. ART. 206 DO CTN. ESTABELECIMENTO FILIAL COM CNPJ DISTINTO DAQUELE ATRIBUÍDO À DEVEDORA.

1. Quando o estabelecimento matriz possuir inscrição no CNPJ diferente da do estabelecimento filial, a existência de débito tributário em nome de um não impede a expedição de regularidade fiscal em nome de outro. A respeito: AgRg no AREsp 657.920/AM, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 27/05/2015; AgRg no AREsp 624.040/BA, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 30/03/2015; AgRg no REsp 1488209/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 20/02/2015.

2. Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp 1.476.087/SC, Primeira Turma, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 18/8/2015, DJe 27/8/2015)

Assim, destoa do entendimento deste Superior Tribunal o acórdão recorrido.

Incidente o teor da Súmula nº 568/STJ: “O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema”.

Ante o exposto, com fulcro no art. 932, V, do CPC/2015 c/c o art. 255, § 4º, III, do RISTJ, dou provimento ao recurso especial, nos termos da fundamentação.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília (DF), 06 de novembro de 2018.

MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES

Relator – – /

Dados do processo:

STJ – REsp nº 1.773.249 – Espírito Santo – 2ª Turma – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJ 08.11.2018

Fonte: INR Publicações