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PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA Apelação n° 1042254-27.2017.8.26.0114 Registro: 2019.0000441828 ACÓRDÃO – Texto selecionado e originalmente divulgado pelo INR –

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Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1042254-27.2017.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante JPGC ADMINISTRADORA LTDA., é apelado 4° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE CAMPINAS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Por maioria de votos, deram provimento e julgaram improcedente a dúvida, para que se proceda ao registro strictu sensu, nos termos do voto do Desembargador Artur Marques. Vencido o Desembargador Pinheiro Franco, que votou por negar provimento. Declararão votos os Desembargadores Fernando Torres Garcia (convergente) e Pinheiro Franco (divergente).”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), vencedor, PINHEIRO FRANCO (CORREGEDOR GERAL), vencido, PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 28 de maio de 2019

ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO

VICE-PRESIDENTE

RELATOR DESIGNADO

APELAÇÃO CÍVEL nº 1042254-27.2017.8.26.0114

APELANTE: JPGC ADMINISTRADORA LTDA.

APELADO: 4° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE CAMPINAS

COMARCA: CAMPINAS

VOTO Nº 45.957

Dúvida de registro – Arrematação – Cancelamento indireto das indisponibilidades – Modo de privilegiar a facilitação do tráfego jurídico – Precedentes – 1. Depois da arrematação do imóvel em execução forçada, as indisponibilidades anteriores à hasta perdem a sua eficácia e, portanto, não impedem que o arrematante, voluntariamente, aliene o imóvel a terceiros, haja ou não seu cancelamento expresso (“direto”) – 2. Esse modo de decidir, afinal, resguarda o interesse dos beneficiários da indisponibilidade (que poderão satisfazer-se à custa do produto da arrematação), também traz facilidade o tráfego jurídico e aumenta a confiança do público na alienação feita em leilão público – 3. Improcedência da dúvida.

1. JPGC Administradora Ltda. interpôs apelação contra sentença que, julgando procedente dúvida suscitada pelo 4º Oficial de Registro de Imóveis da comarca de Campinas, obstou ao registro stricto sensu de compra e venda celebrada por escritura pública.

A apelante alega que para o registro dessa compra e venda não é necessário o prévio cancelamento de indisponibilidades. No seu entender, essas averbações não têm mais nenhuma eficácia, já que são todas anteriores à arrematação do imóvel pelo ora vendedor, em hasta pública.

2. Razão assiste a apelante.

Conquanto fosse respeitável o entendimento do eminente Desembargador Relator que votava pela improcedência do apelo , deve-se reconhecer que ao longo de anos a jurisprudência deste Conselho já veio abrigando, em decisões reiteradas, a tese sustentada pelo recorrente. Ou seja: depois da arrematação do imóvel em execução forçada, as indisponibilidades anteriores à hasta realmente perdem a sua eficácia e, portanto, não impedem que o arrematante, voluntariamente, aliene o imóvel a terceiros, haja ou não seu cancelamento expresso (“direto”).

Nesse sentido:

REGISTRO DE IMÓVEIS. Penhoras e decretos de indisponibilidade que não impedem a alienação forçada. Ocorrida a alienação forçada, há, por via indireta, imediato cancelamento das penhoras e indisponibilidades pretéritas. Cancelamento direto que não é condição necessária à posterior alienação voluntária. Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada. Recurso desprovido (CSMSP, Apelação Cível 100157093.2016.8.26.0664, Rel. Des. Pereira Calças, j. 19.12.2017)

REGISTRO DE IMÓVEIS – Averbação de indisponibilidade que não impede a alienação forçada – Ocorrida a alienação, há cancelamento indireto das penhoras, que geraram a indisponibilidade – O cancelamento direto não é condição necessária à posterior alienação voluntária – Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada – Recurso provido (CSMSP, Apelação Cível 0019371-42.2013.8.26.0309, Rel. Des. Pereira Calças, j. 14.03.2017).

Ressalto que a questão é tormentosa.

Eu mesmo, em caso análogo (isto é, no primeiro julgamento da Apel. Cív. 0019371-42.2013.8.26.0309, em 27.01.2015, sob a relatoria do Desembargador Elliot Akel), tive a oportunidade de proferir voto pela procedência da dúvida. É que, em tal oportunidade, a jurisprudência mais recente deste Conselho ainda não se havia consolidado em favor do cancelamento indireto das indisponibilidades, depois da arrematação.

Contudo, verifico agora que é caso de prestigiar o entendimento contrário, que se veio consolidando desde então, em particular depois do julgamento das Apelações Cíveis 1077741-71.2015.8.26.0100, em 20.05.2016, e 0023897-25.2015.8.26.0554, em 15.09.2016. Esse modo de decidir, afinal, se resguarda o interesse dos beneficiários da indisponibilidade (que poderão satisfazer-se à custa do produto da arrematação), também traz facilidade o tráfego jurídico e aumenta a confiança do público na alienação feita em leilão público.

Além disso, esse reiterado entendimento do Conselho, de um lado, não faz mais que tornar presente a segura lição de Afrânio de Carvalho (Registro de Imóveis, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 184, g. n.):

Assim como a constituição de direitos reais por atos entre vivos se dá pela inscrição, a extinção desses direitos se opera pelo cancelamento, que é a inscrição negativa. A não ser por esse modo direto, a extinção dos direitos reais imobiliários dá-se também por modo indireto, isto é, por transferência desses direitos a outra pessoa, quando então aparece como a face negativa da aquisição destaNesse modo indireto a inscrição subsequente é naturalmente extintiva da antecedente, desempenhando assim o papel do cancelamento.

E, de outro lado, esse mesmo entendimento recupera a melhor tradição de nossa jurisprudência administrativa:

“… o registro de arrematação não reclama o cancelamento direto e autônomo de registro das constrições precedentes, porque ele se afeta negativamente pela inscrição mais nova. Isso se dá porque a arrematação tem força extintiva das onerações pessoais e até mesmo das reais (cfr. Artigo 251 II, Lei n.º 6.015, de 31 de dezembro de 1973; Afrânio de Carvalho, op. cit., pág. 83), e de extinção do direito é que deriva a admissão de cancelamento do registro que lhe corresponda (RIFA SOLER, “La anotación preventiva de embargo, 1983, págs. 510 ss.). O vínculo da penhora traslada-se para o preço da aquisição, sobre o qual concorrem os credores (LOPES DA COSTA, com apoio em DIDIMODA VEIGA e CARVALHO SANTOS, “Direito Processual Civil Brasileiro, 1947, IV, pág. 169).

Observe-se, por fim, que, no cancelamento indireto, é despicienda, em regra, a elaboração de assento negativo, salvo quanto à hipoteca, em vista da necessidade de qualificar-se pelo registrador a ocorrência que não é automática da causa extintiva segundo prescreve o artigo 251 II, Lei n.º 6.015, citada.” (Apelação Cível n. 13.838-0/4, rel. Des. Dínio de Santis Garcia, ocorrido em 24.2.1992).

Enfim: já por privilegiar a facilitação do tráfego jurídico, já por assentar-se na linha do que reiteradamente vem decidindo este Conselho, a tese da apelação deve ser prestigiada, para que, dando-se provimento ao recurso, seja afastada a dúvida e se faça a inscrição pretendida.

3. Ante o exposto, voto pela improcedência da dúvida, para se proceda ao registro stricto sensu, como rogado.

ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO

Vice-Presidente

Relator Designado

APELAÇÃO Nº 1042254-27.2017.8.26.0114 – DÚVIDA REGISTRÁRIA

APELANTE: JPGC ADMINISTRADORA LTDA.

APELADO: 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS

DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE Nº 30.522

Acompanho o E. Relator designado, Desembargador ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO, por entender que o caso concreto comporta apreciação particular.

A presente apelação é ofertada contra a r. sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas, que julgou procedente dúvida suscitada e manteve a recusa do registro de escritura pública de compra e venda de imóvel (lavrada em 21 de março de 2017 e retificada por escritura pública lavrada em 17 de maio de 2017), na qual consta, como alienante, particular que adquiriu anteriormente o imóvel em arrematação judicial, e, como adquirente, o ora apelante, tendo por objeto fração ideal de 4,731% do imóvel matriculado sob nº 3.732 daquela serventia imobiliária, correspondente à futura unidade autônoma designada como apartamento nº 12 e boxes de garagem nos 33 e 34 do Condomínio Edifício Village.

Lastreia-se a recusa na necessidade de prévio cancelamento das indisponibilidades que gravam o bem, anteriores à arrematação judicial pela qual o alienante adquiriu a propriedade, entendendo pela extensão da indisponibilidade mesmo após a aquisição judicial da propriedade.

Os fundamentos da apelação são, em resumo, a falta de razoabilidade da exigência, ante a determinação, na carta de sentença levada a registro prévio pelo alienante, e de sua prevalência sobre outras penhoras e indisponibilidades sobre o bem. Sustenta que houve registro da carta de sentença, com regular transmissão da propriedade ao ora alienante voluntário, havendo ciência e anuência dos adquirentes da existência das averbações e registros de restrições à disposição do bem em desfavor do proprietário anterior, não se justificando a restrição à alienação. Afirma que a exigência da baixa prévia das restrições ligadas ao proprietário executado traduz cerceamento do pleno exercício do direito de propriedade, adquirida regularmente em leilão judicial.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer (fls. 278/279) pela intimação do apelado para apresentação de contrarrazões.

É o relatório.

Prejudicado, de plano, o pleito da d. Procuradoria Geral de Justiça, pois a apresentação de resposta ao recurso pelo Oficial de Registro não se mostra essencial ao conhecimento do recurso, considerada sua natureza administrativa.

Ressalto, desde logo, que não se desconhece a reiterada posição deste C. Conselho Superior da Magistratura a respeito da eficácia da indisponibilidade averbada na matrícula de determinado imóvel em relação a negócios jurídicos tendentes à transferência da propriedade, ainda que ocorridos após a alienação judicial em decorrência de arrematação ou adjudicação em processo executivo.

A jurisprudência, seguida pelas Normas de Serviço, afirma a impossibilidade da alienação judicial posterior à indisponibilidade determinada por outro Juízo, até que se tenham cancelado todas as averbações e registros que tornem o bem fora da esfera de disponibilidade de seu titular.

Limita-se, assim, a indisponibilidade da propriedade a casos de alienação judicial do bem, conforme o item 422, do Capítulo XX, das Normas de Serviço:

Cap. XX, item 422. As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012, e na forma do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a alienação, oneração e constrição judiciais do imóvel”.

Entrementes, o caso concreto tem particularidades que, a meu sentir, autorizam o registro da transmissão feita pelo arrematante judicial do bem a terceiro, por contrato de compra e venda celebrado após o registro da arrematação judicial.

Por primeiro, de extrema importância que se fixem os limites fáticos envolvidos na solução deste caso concreto, analisando-se cada uma das restrições genericamente lançadas sobre a matrícula, referentes à parte ideal do imóvel então de propriedade de Edson Moura.

Da atenta análise da matrícula nº 3.732, observam-se duas penhoras averbadas (nºs 25 e 65), ambas em execuções decorrentes de ações civis públicas levadas a cabo pelo Ministério Público, originando o leilão judicial e a arrematação, cuja carta expedida fora objeto do registro nº 66. Ou seja, tais penhoras, pela alienação judicial do bem em procedimento executivo, são substituídas pelo concurso de interesses sobre o resultado da alienação judicial, estabelecendo concurso de credores e de preferências sobre o crédito.

No mais, não há nenhuma penhora levada à averbação por força de execução fiscal ou de “dívida ativa da União, suas autarquias e fundações públicas”, inexistindo fundamento de fato para a incidência da restrição do art. 53, § 1º, da Lei 8.212/1991, que assim dispõe:

“Art. 53. Na execução judicial da dívida ativa da União, suas autarquias e fundações públicas, será facultado ao exequente indicar bens à penhora, a qual será efetivada concomitantemente coma citação inicial do devedor.

§ 1º Os bens penhorados nos termos deste artigo ficam desde logo indisponíveis”.

O pressuposto de fato para a incidência da indisponibilidade legal do art. 53, § 1º, Lei 8.212/1991, é a existência de “execução judicial da dívida ativa da União” e, nesta, a penhora de bens. Sem que haja a junção destes dois pressupostos de fato, não há que se falar em indisponibilidade legal do bem.

Bem por isto, os precedentes do Colendo Conselho Superior da Magistratura, quando afirmam a indisponibilidade do bem decorrente do art. 53, § 1º, Lei 8.213/1991, não têm aplicação ao caso concreto, pois diversa a situação fática observada da matrícula do imóvel.

O que se tem, de fato, é a existência de ordens de indisponibilidade decorrentes da Justiça do Trabalho, medidas de arrolamento fiscal fundadas no art. 64, § 5º, Lei 9.532/1997 (R. 17 e R. 42) e medida cautelar fiscal para fins de indisponibilidade do bem (Av. 40), mas nenhuma delas convertida, efetivamente, em penhora judicial.

Nem há, na matrícula, qualquer ordem judicial concretizando a garantia obtida com as medidas de natureza puramente cautelar, não se sabendo se, a partir de tais medidas, datadas algumas de mais de 10 anos, originaram-se ações judiciais ou execuções judiciais nas quais tenha havido penhora.

Está-se, assim, no âmbito da incidência da Lei 9.532/1997 e da Lei 8.397/1992, que preveem o arrolamento administrativo de bens e a medida cautelar fiscal como instrumentos de garantia do crédito tributário.

Tal âmbito é de pura cautelaridade, sem que tenha havido sobre o imóvel a especificação de outras garantias judiciais (penhora), salvo o próprio leilão judicial levado a cabo a partir da penhora realizada pelo Ministério Público, nos autos de execução da ação civil pública.

Neste aspecto, a medida administrativo-tributária de arrolamento fiscal, prevista genericamente no art. 64, § 5º, Lei 9.532/1997, tem, insta repetir, natureza estritamente cautelar, porquanto decorrente de uma presunção de insolvência tributária para o caso de o sujeito passivo ter contra si débitos tributários superiores a 30% (trinta por cento) de seu patrimônio conhecido.

Não significa, por si só, a indisponibilidade do bem, pois os § 3º e § 4º do citado art. 64, autorizam a alienação ou oneração do bem após o arrolamento fiscal, apenas sujeitando à comunicação ao órgão fazendário. Sequer se fala em ineficácia absoluta do ato, pois eventual alienação não comunicada somente dará azo a medida cautelar fiscal contra o sujeito passivo para eventual reconhecimento da ineficácia do ato perante a Fazenda e, aí sim, decretar-se a indisponibilidade do bem, condicionada ao ajuizamento futuro da execução fiscal.

Em suma, um resultado futuro a depender de decisão judicial que, em linhas finais, não equivale à penhora descrita no art. 53, § 1º, da Lei 8.213/1991, mas apenas enseja a indisponibilidade condicionada do bem, já que a Fazenda Pública, beneficiada com a medida cautelar, haverá de promover a execução fiscal no prazo de 60 (sessenta) dias (art. 11, da Lei 8.397/1992), sob pena de perder sua eficácia (art. 13, I, da Lei 8.397/1992).

Percebe-se, no caso, que a natureza da medida cautelar fiscal não equivale à penhora, mas a garante para a execução fiscal e a penhora futura. Em linhas finais, resulta na concretização da penhora na execução fiscal. Esta a sua finalidade e, uma vez realizada, tem-se apenas e tão somente o concurso de preferências sobre o resultado financeiro da alienação judicial do bem, nos termos da legislação processual civil.

Há de se ter em mente que a indisponibilidade judicial ou administrativa do bem não o retira do comércio, permitindo-se a realização ampla de negócios jurídicos que tenham por objeto o direito de propriedade sobre o mesmo, apenas condicionando o registro imobiliário à eventual cessação da eficácia da indisponibilidade. Bem por isto, as Normas de Serviço permitem a lavratura de escritura pública com a finalidade de transmissão da propriedade do bem gravado pela indisponibilidade judicial, exigindo a ciência às partes da restrição existente e do condicionamento do registro à verificação da eficácia daquela (Cap. XIV, item 4.1).

A indisponibilidade, para o caso concreto, tem por fim garantir o cumprimento de determinada obrigação pecuniária pessoal do titular. Ou seja, representa limitação ao poder de disposição voluntária da propriedade por seu titular, por conta de situação jurídica da qual lhe resulte ou possa resultar imposição de obrigação a ser garantida pelo bem.

Sendo a disponibilidade do bem uma faculdade decorrente do próprio domínio, vincula-se sua existência e exercício ao seu titular, no caso, o proprietário, que terá a prerrogativa de transferir a propriedade a terceiro, de forma voluntária ou por força de decisão judicial.

No dizer da doutrina:

“O poder de disposição pode ser visto, deste modo, como uma situação jurídica que associa um sujeito a um bem do patrimônio, orientada à possibilidade real de alterar quer o conteúdo de titularidade dominial, quer a titularidade de situações jurídicas em geral” (Luciano de Camargo Penteado, Direito das Coisas, 3ª ed., São Paulo. RT, 2014, p. 182 grifei).

Tal poder de disposição, como poder que é, concretiza-se ordinariamente por exercício voluntário de seu titular, sendo a transferência forçada da propriedade por decisão judicial situação anômala dentro da natureza e características do direito real de propriedade. No âmbito do direito registral imobiliário, entende-se que:

“O princípio da disponibilidade registral diz respeito à possibilidade de haver transferência efetiva, destaque patrimonial, de um para outro sujeito de direitos. Disponibilidade é a possibilidade de um direito ser objeto do patrimônio de outro sujeito de direitos. Trata-se de conceito potencial, ou seja, de conceito virtual: é a possibilidade de dispor. Refere-se à titularidade objetiva do poder de disposição e à possibilidade efetiva de seu exercício eficaz” (Luciano de Camargo Penteado, Direito das Coisas, 3ª ed., São Paulo. RT, 2014, p. 346 grifei).

Se o princípio da disponibilidade está ligado ao exercício concreto do poder de dispor da propriedade pelo titular do domínio, deve-se apreciar a indisponibilidade a partir de sua função limitadora tão somente ao exercício voluntário, excluindo-se, por óbvio, situações de disposição não voluntária, por decisão judicial, como o caso de alienação judicial do bem em procedimento executivo lato sensu.

Caracteriza-se a indisponibilidade, assim, como espécie de ônus real vinculado, necessariamente, a uma situação pessoal (obrigacional) do titular do direito de propriedade. Apesar de caracterizar uma limitação erga omnes por força da inscrição das ordens de indisponibilidade decorrentes de procedimentos judiciais ou administrativo-tributários, tal eficácia restritiva encontra limites decorrentes de sua vinculação ao sujeito do procedimento que originou tais ordens.

Não há razão de ser para a eficácia da indisponibilidade se o bem objeto da ordem foi, de forma legal e válida, transmitido a terceiro, no caso, por força de ordem judicial.

Ou seja, a restrição decorrente da indisponibilidade do bem somente mantém sua eficácia enquanto a propriedade perdurar nas mãos do titular da relação de direito que originou a averbação da ordem. Transmitido o bem a terceiro, por ato não voluntário do proprietário, como no caso de alienação judicial, cessa a eficácia imediata de tal indisponibilidade.

Aceitar que a indisponibilidade, ainda que mantido seu lançamento no fólio real, produza efeitos em relação ao novo titular do domínio que não participa da relação jurídica que a originou, é aceitar a transmissão tácita dos efeitos da obrigação do antigo proprietário ao atual. E não se diga pela existência de caráter propter rem do decreto de indisponibilidade, pois dizer isso seria confundir a eficácia erga omnes da averbação com a natureza da obrigação que gera o gravame sobre o bem.

Inexiste, nas determinações de indisponibilidade ou arrolamento administrativo-tributário, caráter propter rem, pois não se tem uma obrigação decorrente da existência do bem em si, com atribuição de responsabilidade pelo pagamento ao titular do direito de propriedade. A natureza é de garantia lato sensu, não se vinculando sua origem à natureza da relação jurídica que a gera – trabalhista, fiscal ou outra –, mas, sim, em função de seu efeito de ineficácia em relação a atos voluntários do titular que traduzam transferência da propriedade ou a constituição de outro direito real em favor de terceiro.

Desta forma, os efeitos jurídicos das medidas genéricas de garantia, como o decreto de indisponibilidade e o arrolamento cautelar fiscal, diversamente do destaque concreto do bem para pagamento de certa obrigação executada (penhora ou arresto cautelar), limitam-se temporalmente à manutenção da propriedade pelo titular da relação jurídica que originou a restrição. Afetam atos do titular, que sofre os efeitos da relação jurídica originária da restrição, mas não podem atingir direitos de terceiros que, de forma legítima eem procedimento previsto na lei, venham a constituir novos direitos reais sobre o mesmo bem.

No caso em exame, a existência de transmissão válida da propriedade ao arrematante em processo judicial, com registro da propriedade em seu favor, faz cessar por completo a eficácia das ordens de indisponibilidade e arrolamento cautelar administrativo. O titular, apesar de receber a propriedade com todas as suas características e ônus próprios, como as obrigações propter rem, também a recebe sem qualquer vinculação a obrigações pessoais do antigo proprietário, dentre elas, aquelas que originaram as ordens de indisponibilidade.

Não está aqui a se advogar o caráter originário da aquisição pela arrematação judicial do bem, pois as qualidades e restrições vinculadas ao bem in re devem ser, por óbvio, observadas pelo novo titular. Assim, outros direitos reais limitados em favor de terceiros vinculados ao bem e não à situação pessoal do antigo titular, como servidões de passagem, restrições ambientais, servidões administrativas etc., por conta de sua natureza real, mantem-se eficazes face ao adquirente forçado do bem, não se falando em eficácia extintiva da transmissão judicial.

Mas, ao contrário, não se há de falar em contaminação da propriedade transmitida pelas relações jurídicas pessoais do executado e seus reflexos no registro imobiliário, por não se permitir a transferência de situações jurídicas sem que haja expressa assunção pelo novo proprietário ou determinação legal neste sentido. Caso contrário, como dito, haverá uma substituição do arrematante em relações jurídicas pessoais do executado, o que não se admite, considerando a natureza e a finalidade da venda judicial de bens em procedimento executivo.

Assim, o bem transmitido ao arrematante de forma lícita o é de forma plena em relação ao direito de dispor futuramente do bem, sem que restrições pessoais do titular anterior, lançadas no registro imobiliário, sejam-lhe eficazes.

Entender-se em sentido contrário significa indicar a transmissão do direito real com restrição de natureza pessoal referente ao titular expropriado.

Recebendo o arrematante o bem por força de ordem judicial, surge a ineficácia das restrições de ordem pessoal referentes ao antigo proprietário, seja porque substituídas em seu objeto pelo numerário obtido com a venda judicial, no caso de penhoras judiciais ou direitos reais de garantia sobre o bem excutido judicialmente, seja porque extintas, em razão de sua natureza pessoal e da extinção do vínculo entre proprietário e o próprio bem, como no caso da ordem de indisponibilidade. Recebe-o, assim, em sua plenitude no que diz respeito ao exercício dos direitos fundamentais do proprietário, especialmente, aqui, o de dispor do bem.

A questão envolve, em termos finais, a consideração da existência ou não de cancelamento, para fins de eficácia sobre atos de alienação voluntária, das penhoras e indisponibilidades levadas à inscrição na matrícula.

Segundo a doutrina de Afrânio de Carvalho, há duas espécies distintas de cancelamento do registro das penhoras levadas a termos sobre a matrícula: o direto, dependendo de assento negativo na forma de averbação, e o indireto, reflexo de inscrição subsequentes, como no caso da arrematação ou adjudicação, sobre as inscrições prévias existentes na matrícula. O caso em questão é de cancelamento indireto da inscrição da penhora.

cancelamento indireto da penhora, em casos de arrematação judicial, já foi acolhido em pareceres de Corregedoria (Parecer nº 238/2006 Juiz Álvaro Luiz Valery Mirra e Des. Vicente de Abreu Amadei – Corregedor Geral DES. GILBERTO PASSOS DE FREITAS 26.06.2006; Parecer nº 173/07/E – Juiz Álvaro Luiz Valery Mirra – Corregedor Geral DES. GILBERTO PASSOS DE FREITAS – 26.6.2007; Parecer nº 74/2010-E – Juiz Álvaro Luiz Valery Mirra – Corregedor Geral DES. ANTONIO CARLOS MUNHOZ SOARES –  30.03.2010), bem como em decisões deste C. Conselho Superior da Magitratura.

O entendimento pela ocorrência do cancelamento indireto de todas as penhoras anteriores à arrematação, permitindo a livre disposição do bem pelo adquirente em venda pública realizada por força de processo executivo, foi expressamente acolhido pelo Conselho Superior da Magistratura, no julgamento da Apelação nº 1001570-93.2016.8.26.0664, em 19.12.2017:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Penhoras e decretos de indisponibilidade que não impedem a alienação forçada  Ocorrida a alienação forçada, há, por via indireta, imediato cancelamento das penhoras e indisponibilidades pretéritas  Cancelamento direto que não é condição necessária à posterior alienação voluntária – Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada – Recurso desprovido (CSM Rel. DES. PEREIRA CALÇAS CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA j. 19.12.2017).

O r. voto condutor concluiu pela possibilidade de registro da alienação voluntária do imóvel adquirido por meio de arrematação judicial, ainda que existentes registros prévios de penhora e indisponibilidade do bem:

“Daí, portanto, decorrem as seguintes conclusões: a) arrematação, remição e adjudicação, formas de alienação forçada do bem e de aquisição derivada da propriedade, podem ser levadas a cabo e registradas, não obstante a indisponibilidade; b) registrada a carta de arrematação, remição ou adjudicação, ocorre o cancelamento indireto das penhoras previamente havidas e, portanto, afasta-se a indisponibilidade; c) o bem, agora disponível, pode ser alienado pelo arrematante, remitente ou adjudicante, razão pela qual a escritura de venda e compra pode ser registrada; d) cabe ao proprietário, se assim o desejar, providenciar o cancelamento direto das penhoras, perante os Juízos de onde elas provieram”.

Tem-se, neste caso, a imposição da indisponibilidade do bem a proprietário que não é ou foi titular de qualquer relação jurídica que tenha justificado a imposição derestrições gerais com natureza assecuratória. Estas, repito, não se confundem com a constituição de direitos reais de garantia ou de especificação do bem para fins de expropriação judicial, como no caso da penhora, mas apenas indicam uma restrição ao agir do titular anterior, com efeitos em relação à eficácia do ato de disposiçãovoluntária que eventualmente seja por ele levado a cabo.

Estar-se-á fixando, a se manter a proibição de registro da transmissão da propriedade pelo arrematante, regime de aquisição limitada da propriedade, pois desnuda do poder de dispor, por força de restrição de natureza pessoal destinada ao proprietário expropriado do bem. Seria, em última análise, impor a quem auxilia na própria eficácia do processo executivo, com a conversão do bem penhorado em valor monetário em espécie para o pagamento do credor exequente, a responsabilidade por ônus que eram próprios do executado.

Mais que isto, seria tornar o bem fora do comércio caso alguma das autoridades judiciais ou administrativas que determinaram a indisponibilidade contra ao antigo proprietário se recusar a reconhecer a alienação judicial do bem a terceiro de boa fé como causa de ineficácia das ordens por ele emitidas.

Nunca é demais esclarecer que não se está a afirmar que as averbações e os registros de indisponibilidades judiciais e administrativas anteriores devam ser automaticamente cancelados do fólio real, o que exige, por certo, ordem judicial dos emitentes do comando restritivo. O que se está aqui a decidir é a restrição da eficácia de tais limitações ao poder de dispor por ato voluntário do titular da relação obrigacional que deu origem às ordens de restrição, permitindo-se a transmissão voluntária da propriedade por adquirente que, por sua qualidade de arrematante judicial, rompe com a vinculação entre o bem e as obrigações pessoais pretéritas.

Não há que se confundir eventual pedido de cancelamento direto de penhora ou indisponibilidade a partir da arrematação judicial [cancelamento direto de ato judicial determinado por juízo certo somente a ele compete], com o cancelamento indireto decorrente, de forma automática, da arrematação, da adjudicação ou da remição imposta ao bem imóvel.

Ou seja, o cancelamento direto das penhoras e indisponibilidades não decorre diretamente do registro da arrematação, mas não significa a inexistência de cancelamento indireto da eficácia de tais inscrições, permitindo-se o registro de eventual alienação sucessiva havida por ato voluntário do arrematante, agora proprietário e sem vínculos obrigacionais para com o executado que teve sem bem vendido judicialmente.

A posição, entendendo pelo cancelamento indireto na ocorrência da arrematação e limitação da proibição do cancelamento direto sem ordem dos Juízos de onde emanaram os atos, foi adotada nos Pareceres 170/2016-E, do Juiz Assessor da Corregedoria Luciano Gonçalves Paes Leme (CORREGEDOR DES. PEREIRA CALÇAS – 2.8.2016) e 529/2013-E, do Juiz Assessor da Corregedoria Luciano Gonçalves Paes Leme (CORREGEDOR DES. RENATO NALINI –  6.12.2013).

Em recente parecer da E. Corregedoria Geral da Justiça manteve-se o entendimento da impossibilidade de cancelamento das penhoras por decorrência direta da arrematação, havendo necessidade de requerimento de tal cancelamento junto aos Juízos que determinaram as constrições.

O posicionamento, entretanto, não abarca a questão do cancelamento indireto e seu efeito sobre o direito de dispor do bem pelo adquirente por força da arrematação judicial, mantendo-se íntegra a jurisprudência administrativa da Corregedoria Geral da Justiça (Recurso Administrativo 1093002-08.2017.8.26.0100 [Parecer 101/2018-E] – Juiz Assessor Marcelo Benacchio CORREGEDOR DES. GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO Parecer 12.03.2018 13.03.2018).

Ou seja, não se confunde a impossibilidade de determinação do cancelamento direto das penhoras e indisponibilidades por força da arrematação com os efeitos naturais e automáticos do cancelamento indireto, decorrente do esvaziamento do próprio objeto da penhora ou da indisponibilidade.

Estes, de fato, transferem-se do bem para o preço, nos termos do art. 908, § 1º, do Código de Processo Civil (No caso de adjudicação ou alienação, os créditos que recaem sobre o bem, inclusive os de natureza propter rem, sub-rogam-se sobre o respectivo preço, observada a ordem de pre,ferência).

E, por força disto, em nada não limita o exercício do direito de dispor pelo proprietário que detém o bem por força de aquisição em arrematação judicial.

À vista da apreciação ampla da questão, vale a transcrição de decisão deste C. Conselho Superior da Magistratura, abordando questão absolutamente idêntica à presente:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Averbação de indisponibilidade que não impede a alienação forçada – Ocorrida a alienação, há cancelamento indireto das penhoras, que geraram a indisponibilidade – O cancelamento direto não é condição necessária à posterior alienação voluntária – Escritura de venda e compra que, portanto, pode ser registrada – Recurso provido. (Ap. nº 0019371-42.2013.8.26.0309 CSM Rel. DES. PEREIRA CALÇAS – CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA – j. 14.03.2017).

O voto vencedor do então Corregedor Geral, atual Presidente do Tribunal de Justiça, DES. PEREIRA CALÇAS, apresenta as seguintes conclusões:

“a) a arrematação, forma de alienação forçada do bem e de aquisição derivada da propriedade, pode ser levada a cabo e registrada não obstante a indisponibilidade (essa impede, apenas, a alienação voluntária); b) registrada a carta de arrematação, ocorre o cancelamento indireto das penhoras e, portanto, afasta-se a indisponibilidade; c) tornando-se o bem disponível, ele pode ser alienado pelo arrematante, razão pela qual a escritura de venda e compra posterior pode ser registrada; d) cabe ao proprietário, se assim o desejar, providenciar o cancelamento direto das penhoras, perante os Juízos de onde elas provieram” (grifei).

Do voto convergente, da lavra do E. DES. RICARDO DIP, então Presidente da Seção de Direito Público, extraem-se os seguintes ensinamentos, aplicáveis ao caso concreto:

“Desses dois julgados [AC n. 13.838, j. 24-2-1992, e AC 15.296, j. 3-8-1992, de relatoria do Des. Dínio de Santis Garcia] extrai-se que o registro stricto sensu da arrematação(e, ex eadem decidendi ratione, da adjudicação) em via executória forçada propicia, de modo correntio, o cancelamento das inscrições de penhora concernentes aoimóvel arrematado ou adjudicado.

É que, consistindo a penhora na ‘exproprição de eficácia do poder de dispor’ (PONTES DE MIRANDA. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1976, tomo X, p. 160), o posterior e efetivo exercício do ius disponendi no ato de arrematação (ou de adjudicação) subtrai a possibilidade de reiterar o próprio Estado na alienação do bem objeto, salva ulterior penhora. Daí resulta que, senão todas, muitas das inscrições de constrangimentos processual-executórios antecedentes à arrematação (ou adjudicação) estejam supressas ipso facto dos registros, por mio de cancelamento indireto (é dizer, implícito, reflexo, mediante ricochete).

3. Ora, porque a arrematação leva, in pluribus, à substituição do objeto das outras penhoras, ela implica então cancelamento indireto de suas inscrições, e cai também, no caso (aqui versado) na norma do § 1º do art. 53 da Lei n. 8.212/1991 (de 24-7), a indisponibilidade correspondente. Com isto, depois da arrematação (ou adjudicação) em via executiva forçada, não pode mais vedar-se que se inscrevam alienações ou onerações voluntárias (a primeira, por suposto e evidentemente, a que é em prol do próprio arrematante), tal bem o concluiu o r. voto de relatoria.

4. Note-se que é nessa linha que se vieram solidando os julgados deste Conselho:

(i) entendeu-se, num dado tempo, que a indisponibilidade advinda da penhora (ou de arresto: AC n. 70.722, de 2000), nos termos da Lei n. 8.212, de 24-7-1991, no § 1º de seu art. 53, implicava impenhorabilidade (AC’s 69.130, 71.126 e 73.757, de 2000; 80.611, de 2001; 5-6/5, de 2003; 119-6/5 e 208-6/1, de 2004), salvo o caso de a penhora ter sido inscrita depois da que adveio da arrematação ou adjudicação (AC’s 72.716, de 2000, e 76.567, de 2001), ou se o crédito fosse mais graduado que o crédito de que proveniente a penhora causativa da indisponibilidade (AC’s 60.175 e 72.716, de 2000);

(ii) depois, passou a julgar-se que a indisponibilidade resultante da constrição não importava em impenhorabilidade (AC’s 362-6/3, 411-6/8 e 421-6/3, de 2005);

(iii) todavia, continuou a decidir-se que a indisponibilidade derivada da penhora não permitia que se inscrevesse a arrematação (ou adjudicação) do processo executivo (AC’s 29.886, de 1996; 50.589, de 1999; 71.126, de 2000; 76.562, 78,127, 78.635 e 79,730, de 2001; 91.394, de 2002; 7-6/4, 96.485 e 100.023, de 2003; 195-6/0, de 2004; 386-6/2, 289-6/0, 386-6/2, 427-6/0 e 429-6/0, de 2005; 557-6/3 e 584-6/6, de 2006; 643-6/6, 464-6/0, 743-6/2, 746-6/6, 749-6/0, 805-6/6, de 2007; 777-6/7, 854-6/9, 911-6/6, 950-6/7, 979-6/9 e 991-6/3, de 2008; 1-194-6/3, de 2009; 1.223-6/7, 1-233-6/2, 990.10.034.303-3 e 990.10.004-965-8, de 2010, 0002812-30.2010, 0011783-24, 0020697-83.2010, 0011924-51.2009 e 0011644-48.2011, de 2011; 0007386-82.2011, de 2012);

(iv) mas, ainda esse entendimento superou-se, e este Conselho Superior passou a entender que a indisponibilidade emanada de penhora permite que se inscreva a arrematação ou adjudicação da via executória (AC’s 0004717-40.2010 e 0007969-54.2010, de 2012; 0013197-92 e 0018382-04.2011, de 2013; 3000029-33.2013, 3001116-49.2013 e 3003761-77.2013, de 2014; 0023897-25.2015 e 1077741-71.2015, de 2016);

(v) nada obstante, conquanto se houvesse, em algumas decisões, autorizado o registro stricto sensu da arrematação (ou adjudicação) em execução forçada, manteve-se o entendimento segundo o qual posteriores alienações voluntárias não poderiam ser inscritas sem o cancelamento direto (direto, nota bene!) da indisponibilidade (AC’s 0054473-65.2012 e 0003288-37.2009, de 2012; 3003761-77.2013, de 2014; 0019371-42.2013 e 0004060-59.2014, de 2015). [Saliente-se que, num veto de vencido, ao julgar-se a AC 3001116-49, em 2013, o Des. JOSÉ RENATO NALINI retratou-se do que sustentara nas AC’s 0054473-65.2012 e 0003288-37.2009].

5. Agora, finalmente, parece apontar-se uma solução para o problema, recobrando-se posição antecedente deste Conselho: a indisponibilidade derivada de penhora, no caso do § 1º do art. 53 da Lei n. 8.212/1991, não impede o registro stricto sensu da arrematação (ou adjudicação) em execução forçada, nem, a fortiori, de alienações ou onerações voluntárias posteriores.

A indisponibilidade amparada nessa normativa apenas visa a impedir, com efeito, a disposição voluntária antes de, no plexo de uma pendente execução civil, operar-se ato dedisposição pelo Estado.

6. Ressalve-se, entretanto, que o caso destes autos está cifrado ao tema do § 1º do art. 53 da Lei n. 8.212, de 1991, em que a indisponibilidade cessa porque lhe cessou a causa, i.e., a penhora (cf. fl. 5).

Outras hipóteses há em que a indisponibilidade deriva diretamente da lei (e.g., art. 185 do Código Tributário Nacional) ou da inscrição de um título dotado de preferente transcendência real (ou seja, aqui já não trataria de mera providência constritiva oriunda de um processo: pense-se, por exemplo, na indisponibilidade derivada de hipoteca que garanta cédula de crédito rural, nos termos do Decreto-Lei n. 167, de 14-2-1967).

Em outros termos, a solução deste caso é uma resposta propícia ao quadro correspondente ao § 1º do art. 53 da Lei n. 8.212/1991. Pode-se estender-se, é verdade ,a situações análogas, mas não elimina, de modo simplista, as hipóteses em que a indisponibilidade não derive de mera constrição processual.

Observe-se, em acréscimo, que não há motivo para manterse uma inscrição de penhora, se (i) a execução que penda não aflija o arrematante, que não é nela parte passiva, e, bem por isto, (ii) a permanência da inscrição seja mostra de superveniente ofensa da consecutividade.

7. Por fim, parece recomendar-se que, em inscrição comprimida (é evidente!), caiba referir o cancelamento indireto no texto mesmo do registro da arrematação ou da adjudicação. Com insto, pensa-se clarificar o efeito desse registro em favor da dinâmica imobiliária” (grifei).

Portanto, as averbações permanecem na matrícula até que seja realizada o seu cancelamento em atendimento a ordens judiciais originadas pelos Juízos que as determinaram. Porém, não podem impedir o registro da transmissão levada a cabo pelo arrematante judicial, sob pena de tornar o bem fora do comércio por fato pessoal do proprietário excutido, ou impor ao adquirente restrição ao poder de dispor sem vínculo jurídico pretérito que o justifique.

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento ao apelo, a fim de julgar improcedente a dúvida e determinar o registro do título.

FERNANDO TORRES GARCIA

Presidente da Seção de Direito Criminal

VOTO Nº 37.686

Apelação Cível nº 1042254-27.2017.8.26.0114

Comarca: Campinas

Apelante: Jpgc Administradora Ltda.

Apelado: 4° Oficial de Registro de Imóveis de Campinas

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO

Trata-se de apelação [1] interposta contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas, que julgou procedente dúvida suscitada para o fim de manter a recusa do registro de escritura pública de venda e compra, lavrada em 21 de março de 2017 e retificada por escritura pública lavrada em 17 de maio de 2017, tendo por objeto fração ideal de 4,731% do imóvel matriculado sob nº 3.732 daquela serventia imobiliária, correspondente à futura unidade autônoma designada como apartamento nº 12 e boxes de garagem nos 33 e 34 do Condomínio Edifício Village [2]. A negativa fundou-se na necessidade do prévio cancelamento das indisponibilidades que recaem sobre a fração ideal negociada [3].

Alega a apelante, em síntese, que a exigência não se mostra razoável, pois o juízo que expediu a Carta de Adjudicação, devidamente registrada, determinou a prevalência da alienação judicial sobre outras penhoras e indisponibilidades. Aduz que, tendo sido averbada a carta de adjudicação e havendo anuência dos adquirentes em relação à existência de outras penhoras, o pedido de baixa da constrição em cada processo não se justifica, sob pena de cerceamento do direito de exercício pleno da propriedade adquirida pelo arrematante.

A Douta Procuradoria manifestou-se a fls. 278/279, pugnando pela intimação do recorrido para apresentação de contrarrazões [4].

É o relatório.

Desde logo, anote-se ser desnecessária a intimação do Oficial de Registro de Imóveis para oferecimento de contrarrazões, eis que o procedimento de dúvida tem natureza administrativa (art. 204 da Lei nº 6.015/73).

Pretende a apelante registrar a escritura pública de compra e venda, em que figurou como adquirente da parte ideal de imóvel anteriormente gravado com penhoras e ordens de indisponibilidade.

Importa anotar que é pacífica a jurisprudência do Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido de que a ordem de indisponibilidade obsta a alienação voluntária do bem, mas não a forçada [5]Tal entendimento está em harmonia com os julgados do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp. 512.398) e com o disposto no item 405 do Capítulo XX das NSCGJ: “405. As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012, e na forma do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a alienação, oneração e constrição judiciais do imóvel”.

Assim sendo, parte ideal do imóvel objeto da matrícula nº 3.732 foi, ainda enquanto indisponível, levada à hasta pública e arrematada por Marcílio José Valente Alberte. A carta de adjudicação, datada de 23 de setembro de 2.016, foi devidamente registrada, em 14 de março de 2017 (R. 66/3.732) [6].

Ocorre que, posteriormente, houve a alienação do bem por escritura pública [7], retificada [8], tendo o registrador se recusado a realizar o respectivo ingresso no fólio real com fundamento na necessidade do cancelamento das anteriores averbações que se referem às penhoras e indisponibilidade de bens em nome do antigo proprietário. No que diz respeito às penhoras, ressalvou a possibilidade de retificação da escritura, com a presença das partes, consignando-se a ciência dos adquirentes sobre a existência de referido ônus.

O óbice referente à ciência dos adquirentes sobre as penhoras existentes foi superado com a lavratura de escritura de retificação e ratificação lavrada.

Contudo, o outro óbice apontado na nota de devolução é mesmo intransponível. A propósito da indisponibilidade, prevê o art. 53, § 1º, da Lei 8.212/91:

Art. 53. Na execução judicial da dívida ativa da União, suas autarquias e fundações públicas, será facultado ao exequente indicar bens à penhora, a qual será efetivada concomitantemente com a citação inicial do devedor.

§ 1º Os bens penhorados nos termos deste artigo ficam desde logo indisponíveis.

A redação da norma permite concluir que, penhorado o imóvel por dívida ativa da União, de suas autarquias ou de suas fundações públicas, de pronto estará indisponível o bem. E, por conseguinte, atos de voluntária alienação ficarão obstados pela indisponibilidade que o afeta.

Há precedentes sobre a questão aqui debatida. A compra e venda, tendo por objeto o imóvel versado nos autos, configura negócio voluntário defeso em face de sua indisponibilidade. A respeito do tema, já ficou decidido que:

“O Conselho Superior da Magistratura tem entendimento pacífico de que, embora a indisponibilidade não impeça a alienação forçada, obsta a voluntária. Subsistente a penhora, advinda de dívida com o INSS, a indisponibilidade, decorrente do art. 53, § 1º, da Lei nº 8.212/91, impede a alienação voluntária e, via de consequência, o registro da escritura.” (Apelação nº 1003418-87.2015.8.26.0038, Rel. Pereira Calças, j. 25.04.2016).

Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura pública de confissão de dívida com pacto adjeto de constituição de propriedade fiduciária e outras avenças – Imóvel indisponível – Penhora, em execução fiscal, a favor da Fazenda Nacional e da União – Recusa do registro com base no artigo 53, § 1º, Lei 8.212/91 – Alienação voluntária – Irrelevância da aquisição anterior por alienação forçada – Registro inviável – Dúvida procedente – Recurso desprovido, com observação (Apelação nº 3003761-77.2013.8.26.0019, Rel. Elliot Akel, j. 03.06.2014).

Veja-se, ademais, que a previsão expressa constante da carta de arrematação, no sentido de que a penhora daqueles autos prevaleceria sobre as demais eventualmente existentes, efetivamente surtiu efeitos para fins de registro daquele título, concluído no caso concreto. Contudo, não pode surtir efeito em relação aos atos posteriores, pois inexiste decisão judicial nesse sentido, seja por parte do juízo em que houve a alienação judicial, seja por parte dos juízos de que emanadas as constrições incidentes sobre o imóvel.

Em outras palavras: o registro da carta de arrematação de imóvel implica a transferência da propriedade ao seu adquirente, ainda que se trate de bem indisponível por força de outra penhora promovida em favor da União.

Contudo, como esclarecido em r. parecer apresentado pelo Desembargador Vicente de Abreu Amadei e pelo Dr. Álvaro Luiz Valery Mirra, então MM. Juízes Auxiliares da Corregedoria, no Processo CG nº 11.394/2006, o cancelamento da averbação de outra penhora, que não aquela que ensejou a arrematação, depende de decisão pelo juiz competente, na esfera jurisdicional:

“Registro de Imóveis – Cancelamento automático ou por decisão administrativa da Corregedoria Permanente ou da Corregedoria Geral da Justiça de penhoras, arrestos e seqüestros anteriores, a partir do registro da arrematação ou adjudicação do bem constrito realizada em ação de execução – Inadmissibilidade – Necessidade de ordem judicial expressa oriunda do juízo que determinou a constrição – Impossibilidade de desfazimento, pela via administrativa, de registro de ato constritivo determinado na esfera jurisdicional – Consulta conhecida, com resposta negativa.

Registro de Imóveis – Cancelamento automático ou por decisão administrativa da Corregedoria Permanente ou da Corregedoria Geral da Justiça de indisponibilidade de bens imóveis em virtude da arrematação ou adjudicação destes em ação de execução – Inadmissibilidade – Indisponibilidade que implica inalienabilidade, a obstar o ingresso no fólio real da carta de arrematação ou de adjudicação e, por via de conseqüência, o cancelamento da restrição – Consulta conhecida, com resposta negativa”.

Verifica-se no referido r. parecer que os assentos precedentes não prevalecem quando representativos de direitos incompatíveis com a posterior arrematação, como ocorre com as penhoras anteriores porque, nesse caso, os credores se sub-rogam no preço da arrematação.

Cumpre ressaltar que a interpretação, naquele r. parecer, é restrita aos efeitos da arrematação em relação às penhoras anteriores das quais não decorrem indisponibilidade.

No que se refere às ordens de indisponibilidade e às demais que ensejam restrição ao direito real de propriedade, o parecer fez remissão à possibilidade de averbação de penhora, mas ressalva a então posição do Col. Conselho Superior da Magistratura que vedava o ingresso de carta de arrematação ou de adjudicação, salvo na hipótese de haver ordem judicial nesse sentido.

Por essa razão, a questão deve ser apreciada sob a ótica dos efeitos que a arrematação produz em relação aos credores que promoveram penhoras, das quais decorrem a indisponibilidade do bem. A arrematação de imóvel penhorado, em praça pública ou por outro modo equivalente, implica a sub-rogação dos demais credores sobre o produto da venda.

Para isso, no entanto, é necessário o prévio concurso de credores, com fixação da preferência para recebimento do crédito conforme o privilégio, ou não, de que o crédito for dotado. E compete ao Juiz da execução em que foi promovida a penhora, diante do resultado do concurso de credores que realizou, determinar o cancelamento das averbações das penhoras que levaram à indisponibilidade do imóvel.

É que, neste procedimento de dúvida, de natureza administrativa, não é possível presumir a sub-rogação no preço da arrematação tão somente por força do registro da carta de arrematação promovida em razão do entendimento, deste Col. Conselho, de que todos os credores teriam concorrido para o recebimento do preço pago pelo imóvel.

Isso não afasta a possibilidade de cancelamento da averbação da penhora, da qual decorre a indisponibilidade, também por determinação do Juízo da execução em que foi promovida, ou seja, com submissão da matéria à análise na esfera jurisdicional.

Porém, em procedimento de dúvida não se pode presumir que a alienação judicial do imóvel foi precedida de concurso de credores e que todos, incluindo o ente público que promoveu a penhora, tiveram oportunidade de concorrer no levantamento do preço da arrematação conforme a ordem legal de preferência dos respectivos créditos.

Como se vê, o registro da aquisição da propriedade pelo arrematante não é causa automática de cessação da indisponibilidade que já existia em relação ao anterior proprietário.

Logo, persistindo o óbice da indisponibilidade, a recusa do Oficial foi correta.

Diante do exposto, pelo meu voto, sempre com o devido respeito da douta maioria, nego provimento ao recurso.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça

Notas:

[1] Fls. 255/263.

[2] Fls. 248/249.

[3] Fls. 37/38.

[4] Fls. 278/279.

[5] Apelação n° 0007969-54.2010.8.26.0604 – Relator Desembargador Renato Nalini; Apelação n° 3003761-77.2013.8.26.0019, Relator Desembargador Elliot Akel; Apelação n.º 0006122-61.2016.8.26.0198 Relator Desembargador Pereira Calças

[6] Fls. 24.

[7] Fls. 29/30.

[8] Fls. 31. (Acervo INR – DJe de 03.07.2019 – SP)