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Jurisprudência mineira – Apelação – Contrato de compra e venda – Outorga de escritura pública – Impossibilidade – Rescisão – Danos morais

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APELAÇÃO – CONTRATO DE COMPRA E VENDA – OUTORGA DE ESCRITURA PÚBLICA – IMPOSSIBILIDADE – CONDIÇÃO SUSPENSIVA ALHEIA À VONTADE DAS PARTES – RESCISÃO – RETORNO AO STATUS QUO ANTE – MORA – INTERPELAÇÃO JUDICIAL – INTELIGÊNCIA DO ART. 397, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL – DANOS MORAIS – PRINCÍPIO DA ADSTRIÇÃO – HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA – ARBITRAMENTO
– Havendo condição futura e incerta, alheia à vontade das partes, impeditiva de registro de imóvel objeto de contrato de compra e venda, o qual dela depende para a sua eficácia, não há falar em inadimplemento, mas em verdadeira perda do negócio jurídico, o que implica o retorno das partes ao status quo ante, sendo, pois, indevida a multa contratual.
– Quando o vencimento da obrigação não possui termo certo, a mora se constitui por interpelação judicial.
– Por força do princípio da congruência ou adstrição, fica o magistrado vinculado ao pedido formulado pela parte em sua exordial, sendo defeso proferir sentença de natureza diversa daquela pedida, nos termos do art. 460 do Código de Processo Civil, de modo que, não tendo formulado a parte pedido de indenização a título de danos morais, o pleito não pode ser acolhido.
– A fixação da verba de sucumbência em ações de natureza condenatória deve levar em consideração o valor da condenação, a proporcionalidade do quantum a ser arbitrado com o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
Apelação Cível nº 1.0145.12.040336-8/001 – Comarca de Juiz de Fora – Apelantes:1os) Campestre Empreendimentos Rurais Ltda. e outro, Frederico Marques Godinho; 2º) Armando de Paula Fonseca – Apelados: Campestre Empreendimentos Rurais Ltda. e outro, Frederico Marques Godinho, Armando de Paula Fonseca – Relatora: Des.ª Cláudia Maia
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em acolher a preliminar de ilegitimidade passiva, dar parcial provimento ao primeiro recurso e negar provimento ao segundo.
Belo Horizonte, 23 de julho de 2015. – Cláudia Maia – Relatora.
DES.ª CLÁUDIA MAIA – Julgado parcialmente procedente o pedido formulado por Armando de Paula Fonseca, nos autos da ação de rescisão de compromisso de compra e venda c/c perdas e danos ajuizada em desfavor de Campestre Empreendimentos Imobiliários Rurais Ltda. e outro, recorrem ambas as partes contra a sentença proferida pelo Juiz de Direito investido na 5ª Vara Cível da Comarca de Juiz de Fora.
Sustenta o primeiro apelante, Campestre Empreendimentos, preliminarmente, a ilegitimidade passiva do segundo réu, Frederico Marques Godinho, bem como a impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, alega, em síntese, que o autor não faz jus ao ressarcimento por perdas e danos. Aduz a ausência de provas em relação às benfeitorias realizadas no imóvel. Requer seja reduzida a verba honorária sucumbencial, fixada em R$ 20.000,00. Busca o provimento do recurso.
O segundo apelante, Armando de Paula Fonseca, alega a existência de vícios na compra e venda celebrada entre as partes. Requer indenização, tendo por base o preço do imóvel no mercado, com os acréscimos legais contados desde a data do ato ilícito praticado. Postula a aplicação da cláusula penal em desfavor dos réus. Pleiteia indenização por danos morais. Busca o provimento do recurso.
Contrarrazões às f. 164/180.
Conheço de ambos os recursos, por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade.
Passo ao exame em conjunto das razões recursais.
Cuida-se de ação de rescisão contratual c/c indenização por perdas e danos ajuizada por Armando de Paula Fonseca em face de Campestre Empreendimentos Imobiliários Ltda. e outro, pela qual afirma que o empreendimento não se encontra regularizado no Cartório de Registro de Imóvel, no Instituto Estadual de Florestas e na Prefeitura Municipal de Juiz de Fora, tendo ficado sujeito ao pagamento de multas e impedido de obter o registro da escritura, o que, inclusive, inviabilizou acesso ao crédito para a construção de sua moradia.
Pela sentença de f. 132/134, o pedido inicial foi julgado parcialmente procedente para declarar a rescisão do contrato; condenar a requerida, solidariamente, a indenizar o autor no preço integral da promessa de compra e venda, bem como a indenizar as obras de cercamento do imóvel e proteção do terreno, mais as instalações de água e luz.
Não obstante a vedação contida no art. 6º do CPC, por se tratar de matéria de ordem pública, passo ao exame da preliminar de ilegitimidade passiva do réu Frederico Marques Godinho, suscitada pela primeira apelante.
Pois bem. Verifico, no “Contrato de Compromisso de Compra e Venda de Imóvel”, acostado à exordial às f. 14/16, que a requerida Campestre Empreendimentos Rurais Ltda. figurou como vendedora, de um lado, e de outro, como comprador, o autor Armando de Paula Fonseca.
Verifico, ademais, que o réu Frederico Marques Godinho figura no contrato apenas como representante legal da vendedora, não sendo, portanto, parte no contrato nem assumindo deveres em nome próprio.
Friso, ainda, que não houve, no caso em questão, desconsideração da personalidade jurídica da empresa requerida, até mesmo porque, segundo consta até então, a empresa encontra-se ativa, no regular exercício de suas atividades comerciais. Dessa feita, deve o réu Frederico Marques Godinho ser excluído do polo passivo da lide.
Acolho, pois, a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam.
A preliminar de impossibilidade jurídica do pedido articulada pela primeira apelante se confunde com o mérito recursal e juntamente com este será analisada.
Pelo contrato de compra e venda de f. 14/16, nos termos de sua cláusula primeira, o autor figura como comprador da fração de 3,57% de uma área desmembrada em 26 áreas e glebas, no Município de Juiz de Fora, tendo quitado a importância de R$29.700,00, de forma parcelada, conforme notas promissórias de f. 17/19.
Pela cláusula décima segunda, o autor declara que conhece in loco a gleba, tendo comparecido ao local pessoalmente, nada tendo a reclamar quanto à topografia, conformação, limites e confrontações do imóvel, conforme consta de sua planta. Patente, portanto, que o autor firmou o contrato de compra e venda sem qualquer vício de consentimento, ou seja, sem a presença de erro, dolo, coação, estado de perigo ou lesão. Lado outro, o negócio celebrado não foi simulado nem feito com o intuito de fraudar credores.
Pelo contexto probatório colacionado aos autos, constato que o autor não obteve o registro do contrato em virtude de determinação da direção do foro da Comarca de Juiz de Fora, através da Instrução nº 213/93, que proibiu a lavratura e registro de escrituras públicas oriundas de compra e venda de percentual de módulo rural.
A propósito, bem ponderou o Juiz singular:
“[…] o impedimento diz respeito a uma condição suspensiva subordinativa da eficácia obrigacional do próprio contrato, nos termos da norma: ‘subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não será adquirido o direito, a que ele visa – art. 125, CC.
De fato, a condição suspensiva consiste na determinação da direção do foro da Comarca de Juiz de Fora correlata à instrução nº 213/93, da Corregedoria de Justiça de Minas Gerais […]
Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, o não implemento da condição, por ato de terceiro, importa na extinção de pleno direito da obrigação. Em consequência, ante a perda de sua eficácia, extingue-se o próprio contrato, retornando os contraentes ao estado anterior a sua celebração […]”.
Em sendo assim, havendo condição futura e incerta, alheia à vontade das partes, impeditiva de registro do imóvel objeto de contrato de compra e venda, o qual dela depende para sua eficácia, não há falar em inadimplemento, mas em verdadeira perda do negócio jurídico, o que implica o retorno das partes ao status quo ante, sendo, pois, indevida a multa contratual.
Nesse sentido, precedente deste Tribunal:
“Promessa de compra e venda de imóvel. Pagamento. Obtenção de financiamento junto à instituição financeira. Condição que não se operou. Ineficácia do negócio jurídico. Retorno dos contratantes ao status quo ante. – A obtenção de financiamento junto a agente financeiro, prevista no contrato de promessa de compra e venda de imóvel, configura condição futura e incerta subordinativa da eficácia obrigacional. Por isso, não tendo o empréstimo sido efetuado por razões estranhas à vontade dos promitentes compradores não há falar em inadimplemento, mas em mera perda de eficácia do negócio jurídico, o que implica o retorno das partes ao status quo ante” (TJMG – Apelação Cível 1.0024.07.569668-2/001, Rel.ª Des.ª Selma Marques, 11ª Câmara Cível, j. em 13.08.2008, p. em 30.08.2008).
Consta da cláusula oitava não ser permitido ao comprador “levantar benfeitorias, aí compreendidas construções, sem expressa autorização por escrito dos poderes públicos competentes, obrigando-se também o comprador a respeitar os recuos nas margens dos córregos, represas e rodovias”.
Todavia, o autor interveio, por conta própria, em área de preservação permanente, sem autorização do órgão ambiental competente, no que resultou na lavratura do Auto de Infração nº 84.411, datado de 05.11.2010, acostado às f. 20/21.
Com efeito, a infração ambiental foi cometida pela parte autora, por sua própria culpa, uma vez que, mesmo conhecendo a gleba adquirida, realizou benfeitorias em área de preservação permanente e sem licença do órgão ambiental competente, devendo, portanto, arcar com a multa decorrente do ato ilícito por ele próprio praticado.
Além de configurar verdadeira inovação recursal, impertinente a pretensão de indenização pelo valor de mercado do imóvel, bem como pelos danos morais.
Por força do princípio da congruência ou adstrição, fica o magistrado vinculado ao pedido formulado pela parte em sua exordial, sendo defeso proferir sentença de natureza diversa daquela pedida, nos termos do art. 460 do Código de Processo Civil.
De igual modo, merece reforma a sentença combatida quanto ao ressarcimento pelo cercamento do imóvel e pelas instalações de água e luz, ante a ausência de provas nesse sentido, sendo certo que, por ocasião da fase instrutória, desistiu o autor da produção da prova pericial.
Verifico, às f. 30/31, interpelação judicial endereçada ao réu, nos autos do Processo nº 0145.12.023.822-8. Como sabido, quando o vencimento da obrigação não possui termo certo, como no caso dos autos, na esteira do art. 397, parágrafo único, do Código Civil, a mora se constitui mediante interpelação judicial.
Nesse contexto, para que se configurasse a mora da vendedora na transferência do imóvel, procedeu o autor à sua interpelação judicial.
Em sendo assim, escorreita a sentença quanto à rescisão do contrato em tela, determinando o retorno das partes ao status quo ante; e à vendedora, a devolução do valor pago pelo comprador, no montante de R$29.700,00, monetariamente corrigido, com a incidência de juros de mora de 1% ao mês, desde a interpelação judicial, consumada em maio/2012, o que deixa indene de dúvidas o interesse processual do autor para extinção do ajuste.
Finalmente, a fixação da verba de sucumbência em ações de natureza condenatória deve levar em consideração o valor da condenação, a proporcionalidade do quantum a ser arbitrado com o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, tudo nos termos previstos no art. 20, § 3°, do CPC.
No caso, tendo em vista que a condenação total se revela de valor considerável, tenho por justo fixar a verba honorária sucumbencial em 15% sobre o valor da condenação, de modo a assegurar aos patronos das partes uma remuneração digna, que não represente, contudo, fonte de enriquecimento indevido, permitida a compensação nos termos da Súmula 306/STJ.
Diante do exposto, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam em relação ao réu Frederico Marques Godinho e dou parcial provimento ao primeiro recurso para reformar a sentença quanto à condenação pelas benfeitorias e reduzir a verba honorária sucumbencial para 15% sobre o valor da condenação, permitida a compensação, nos termos da Súmula 306/STJ.
Nego provimento ao segundo recurso.
Arque o primeiro apelante com 30% das custas recursais, cabendo os outros 70% ao segundo apelante.
Votaram de acordo com a Relatora os Desembargadores Estevão Lucchesi e Marco Aurelio Ferenzini.
Súmula – ACOLHERAM A PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E NEGARAM PROVIMENTO AO SEGUNDO.
Fonte: Diário do Judiciário Eletrônico – MG